Thursday, July 31, 2008

Cinema de reprise (IV e, se deus quiser, ultimo)

Bastam uns segundos e temos a certeza: isto é um filme dos anos 70. Não é só por causa das cabeleiras fartas ou das calças à boca de sino. Um típico filme dos anos 70 tem algumas características muito próprias. Por exemplo, o sexo. Ele há sexo de todas as maneiras e feitios, muitas maminhas ao léu, festas com casais swinger, mulheres emancipadas e sem vergonha de assumirem os seus desejos, enfim, são filmes que só podiam ser feitos depois da revolução sexual e antes da sida. Além disso, um típico filme dos anos 70 é um filme sobre relações, mais exactamente sobre relações complicadas ou falhadas. Pais e filhos, casais desavindos, divórcios, amigos que se traem, irmãos incestuosos, amantes secretos, gente que, além de fazer sexo, conversa e conversa e conversa sobre o sexo, como se fosse Freud o homem por trás da câmara. Um típico filme dos anos 70 é, por exemplo, "A primeira noite" (1967) ou "Os amigos de Alex" (1983).

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Cinema de reprise (III)

Os meus pais não nos deixavam ver televisão à noite. Depois do jantar podiamos ver a telenovela, que naquele tempo terminava por volta das nove e meia, e depois xi-xi, cama. Já mais crescidas, ficávamos acordadas até mais tarde mas iamos para o quarto ler, estudar, conversar, ouvir o Oceano Pacífico, o que fosse. Televisão é que não. Desta forma, não acompanhei as séries da época - nunca vi um episódio das Teias da Lei, e do Modelo e Detective só quando deram à tarde, no saudoso Agora Escolha. Nem via os filmes que davam às quartas-feiras à noite na RTP1 ou nas outras noites na RTP2. Godard e Renoir, Fellini e Rossellini, Bergman e Eisenstein, todos me passaram ao lado. Em compensação, tirei um curso superior em cinema americano. É que, aos fins-de-semana à tarde, havia sempre um filme para ver na televisão. E que filme. Um clássico, como agora se diz. Westerns e melodramas, musicais e screwball comedies, aos onze anos víamos na televisão os filmes que hoje em dia só se encontram na cinemateca. As curvas da Marilyn, a coragem de John Wayne, os pés do Fred Astaire, os olhos da Elizabeth Taylor, os dentes do Jerry Lewis, a doçura de James Stewart. Conhecia-os todos. Errol Flynn e Cary Grant, Gene Kelly e Gary Cooper, Rock Hudson e Gregory Peck. Barcos de piratas e aventuras na selva, tiros entre o norte e o sul, escravos nos campos de algodão, uma correria atrás da Lassie e os vestidos maravilhosos de Sissi. Imaginava-me índia, de pena na cabeça, a ser resgatada por um esbelto e corajoso cowboy. Ou então corista num espectáculo da Broadway, em complicadas coreografias. Eu era a Ginger Rogers e quase voava de tanto rodopiar. Ou podia ser a Katharine Hepburn, decidida e emancipada. Ou então a Jane Wyman, perdidamente apaixonada. E tudo isto sem sair do sofá, num domingo à tarde. (suspiro) E agora, se ligo a televisão no fim-de-semana, quanto aposto que está a dar um filme com uma múmia ressuscitada ou com uma cambada de miúdos parvos numa qualquer comédia escatológica. C'um caneco, estou mesmo a ficar velha.

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Wednesday, July 30, 2008

Cinema de reprise (II)

Outro dia apanhei a Balada de Hill Street na RTP Memória. Aqueles é que eram os tempos. Já nem me lembrava como eram as séries policiais antes da brigada da cotonete. Polícias sujos e a dizer palavrões, preconceituosos, politicamente incorrectos, que dão uns murros nos mauzões. Perseguições, prostitutas, rixas entre gangs. A esquadra cheia de gente, as secretárias com as máquinas de escrever, papéis empilhados, telefones fixos. Muito longe do ambiente higienizado e dos investigadores-que-mais-parecem-modelos das séries de hoje em dia. (nota-se muito que eu já não posso mesmo com os gajos do CSI e afins? que cada vez que os vejo tenho que mudar de canal senão fico enjoada?)

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Cinema de reprise

Zapping. Vejo a Meg Ryan e o Tom Hanks na Sintonia do Amor e deixo-me ficar. Quantas vezes já vi eu este filme? Muitas. Mas mesmo assim deixo-me ficar. Mesmo sabendo os diálogos de cor, mesmo sabendo como vai terminar, nada disso diminui o prazer de ver um filme ou sequer reduz a ansiedade com que o vejo. Quantas vezes podemos chorar com a mesma cena? Quantas vezes rimos da mesma piada? E o que é mais estranho é que não há nada em comum nestes filmes que eu vejo e revejo vezes sem conta. São de épocas diferentes, de géneros diferentes, uns são filmes bons, outros nem por isso. Pode ser Quatro Casamentos e um Funeral ou Ocean's Eleven. Pode ser Casablanca ou Sunset Boulevard. Pode ser Kramer contra Kramer ou My Fair Lady. Pode ser Sabrina ou As Pontes de Madison County. Apanho-os a meio, no canal Hollywood, e já não me levanto do sofá. Prefiro mil vezes a Audrey Hepburn às polícias botocadas do CSI. Não é tempo perdido, não, é tempo recuperado.

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Monday, July 28, 2008

Bate palmas com vontade


Eu queria mesmo era trazer para aqui uma música do Chico, um momento de puro prazer para oferecer a algumas amigas. Mas parece que não estou a conseguir tirar vídeos do youtube, vá-se lá saber porquê. Por isso, por enquanto, ficamos só a vê-lo assim paradinho. O que também não é nada mau, pois não?

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Friday, July 25, 2008

Por mim podes ir-te embora para sempre... ou talvez nao

Tenho uma ideia.
Quando estão prestes a ter um filho, os dois elementos do casal deveriam sentar-se a conversar e chegar a um acordo. Deveriam combinar que nos próximos, digamos, seis a oito meses, o casal vai ficar imune às discussões. Ou seja, nada do que for dito em discussão durante este período deverá ser levado a sério. Nenhum dos insultos será tido em conta. Nenhuma das críticas terá consequências futuras. Nenhuma das barbaridades (quando uma pessoa se irrita costuma dizer e fazer muitas barbaridades) será considerada imperdoável (excluem-se deste acordo, por motivos óbvios, as traições - uma traição é uma traição, seja em que momento for). Este período durará o tempo necessário até que a mãe deixe de amamentar (recuperando depois o domínio total do seu corpo, devidamente cicatrizado e com as hormonas devidamente controladas); até que, já com biberon, a criança possa passar mais do que três horas longe da mãe e até passar a noite ou parte da noite em casa dos avós; até que o pai já consiga passar um dia inteiro com o filho sem se atrapalhar nem telefonar à mãe de cinco em cinco minutos; até que a mãe já tenha voltado ao trabalho e o casal já tenha encontrado a sua rotina nesta nova fase da vida; até que toda a gente lá em casa já consiga dormir uma noite descansada ou o mais perto disso que se conseguir. Também se aconselha a que, por esta altura, a criança saia do quarto dos pais (não é necessário mas ajuda muito). Findo este período, os elementos dos casal pedirão mutuamente desculpas por todos os impropérios que disseram e por toda a resmunguice acumulada e avançarão para esta nova etapa sem sono nem rancores. Dizendo em conjunto: o pior já passou, agora é que é à séria.
Palpita-me que esta minha ideia iria evitar bastantes divórcios.

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Thursday, July 24, 2008

Pro menino e pra menina


A minha mãe foi comprar roupa para o neto mas, por distracção ou por não ter levado os óculos de ver ao perto para ler bem a etiqueta que dizia "girl", acabou por trazer um conjunto de três bodies de menina. Ela tem desculpa. Os bodies eram mesmo giros, todos coloridos, com gatos azuis e verdes, e o único que é ostensivamente cor-de-rosa estava escondido atrás dos outros. Já em casa, a descoberta causou algum embaraço e muitas gargalhadas. Queres que vá trocar? Não, por amor de deus, trocar porquê? Até calha bem. Já ando um bocado farta daquele azul-desmaiado que invadiu as nossas gavetas e, para dizer a verdade, o nosso rapagão fica bem de rosa-choque (não acham?). Tal como fica bem de cor-de-laranja. De amarelo. De verde. De vermelho. Quem é que terá inventado essa coisa de os rapazes só usarem azul e as raparigas cor-de-rosa? Só pode ter sido alguém com muito pouca imaginação, parece-me. Pois nós, cá em casa, não só temos imaginação como gostamos de desafiar os estereotipos. O mais velho tem uma bola das princesas. Pede-me para pôr ganchos no cabelo. E brinca comigo às casinhas. No livro que lemos à noite, o pai-tartaruga é o que tem a vassoura na mão e a mãe-tartaruga é a que está a ler o jornal, diz ele e quem sou eu para o contrariar?
Na batalha da mãe contra a sociedade, a mãe leva vantagem. Resta saber por quanto tempo...

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Tuesday, July 22, 2008

Terapia

Eu gosto de passar a ferro. Ou melhor: eu prefiro passar a ferro a ter que limpar o pó ou aspirar ou lavar a casa-de-banho. Eu até prefiro passar a ferro a ter que tratar da papelada dos impostos ou ir às finanças ou à reunião de condomínio. É isto. De todas as coisas chatas que há para fazer em casa, passar a ferro é até das mais divertidas. Posso passar a ferro enquanto ouço música ou vejo televisão ou converso com alguém. Enquanto penso na vida. As mãos vão mecanicamente esticando e dobrando a roupa mas a cabeça não pára. Decido o que vai ser jantar, faço mentalmente a lista de compras, tenho conversas imaginárias mas absolutamente decisivas com as mais variadas pessoas, do meu homem aos meus chefes, faço o balanço da semana ou do ano, tenho ideias para os presentes de natal, tenho ideias para posts (como se vê) e até tenho ideias para o trabalho, faço planos, encontro soluções para alguns problemas, tomo decisões importantes. Quando a pilha de roupa chega ao fim sinto-me aliviada como se tivesse ido a uma sessão com um psicólogo. Embora o corpo me diga que isto não foi exactamente o mesmo do que estar uma hora no divã.

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Friday, July 18, 2008

Alegria e amor, que mais podemos pedir?

O nosso mais velho ainda dorme de fralda. Só come sopa passada, não come salada nem bróculos nem couve, não come morangos nem pêssegos nem cerejas. A verdade é que na maior parte das vezes se não somos nós a dar-lhe a comida ele não come mesmo nada. Já experimentou três piscinas diferentes e desistiu de todas porque tem medo de mergulhar e não confia nos professores. Também tem medo de ir ao teatro e ao cinema porque acha sempre que o som está muito alto e, se a história for triste ou meter muitos maus, é bem capaz de chorar e pedir para ir embora. Mas não pensem que é um rapaz calminho. Pelo contrário, está sempre ligado à corrente, a pular e a correr por todo o lado, a jogar à bola ou a andar de bicicleta, mesmo dentro de casa e mesmo quando lhe imploramos para ficar quieto, parece que tem bichos carpinteiros, o raio do miúdo. Além disso está na fase de desafiar a autoridade, chama chato, parvo e malvado a toda a gente, faz de conta que não nos ouve quando o mandamos arrumar o quarto, insiste em saltar na nossa cama, levanta-se várias vezes durante a refeição apenas para ir até ali e já venho, e de vez em quando faz umas caras e uma voz de parvo que só dá mesmo vontade de lhe dar uma estalada (controla-te, vá lá, maria joão, controla-te). E, no entanto, quando leio no boletim da escola que este mariola "é muito meigo e gosta de demonstrar afecto" e que "é uma criança muito alegre e muito vivaça, é fácil ouvi-lo rir e essa alegria é contagiante", vêm-me as lágrimas aos olhos de tanto orgulho que sinto e fico com a reconfortante sensação de que alguma coisa de bom nós devemos estar a fazer. Parvoíces de mãe, não há nada a fazer.

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Thursday, July 17, 2008

Coming out

Apetecia-me escrever sem contar os caracteres nem ter que obedecer a fórmulas. Escrever sem ser por obrigação, escrever sobre alguma coisa que me interessasse minimamente. Apetecia-me escrever e podia simplesmente ter aberto um documento em word e começado a teclar mas, em vez disso, criei um blogue. Começou por ser um desafio pessoal. Será que tenho alguma coisa para dizer? Será que vou conseguir escrever com pés e cabeça? Será que isto vai ter algum interesse? Eram dúvidas a mais para alguém já de si muito inseguro por isso, pelo sim pelo não, este cantinho manteve-se mais ou menos secreto. Contei a meia dúzia de pessoas, não mais, só para saber o que elas achavam disto. Depois contei a mais duas ou três, e essas contaram a outras e desataram a fazer links para aqui e, como já se previa, a coisa começou a escapar ao meu controlo. Quando apareceram os primeiros comentários de pessoas que eu não conhecia de parte nenhuma demorei uns dias a recuperar do choque. Ui, há gente que me lê, e agora? E agora, continuo. Uns dias mais inspirada, noutros sem ponta por onde se lhe pegue (como, aliás, se pode constatar numa visita ao arquivo). E com isto se passou um ano. Para assinalar a data a Gata vai revelar o seu nome - mas há alguém que ainda não saiba? Não que isto tenha grande importância para o mundo em geral mas, enfim, para mim é um grande passo, é assim uma espécie de saída do armário, esta sou eu e não me envergonho de o ser, como quem assume um vício:
- olá a todos, o meu nome é maria joão caetano e tenho um blogue.
E pronto. Agora já sabem. E eu espero aguentar-me à bronca.

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Tuesday, July 15, 2008

Desculpe la

Margarida teve um AVC no ano passado. Ninguém lhe perguntou mas ela decide falar disso a meio da entrevista na última edição da revista Ler. E como o entrevistador parece ignorar o assunto, Margarida volta a puxar o tema umas perguntas mais à frente para que fique claro como a doença alterou a sua maneira de pensar e de escrever, afinal, nem todos se podem gabar de ter uma experiência de quase-morte, há que capitalizar bem o acontecimento, ainda por cima se se é uma escritora com pretensões a ser considerada séria e profunda. Por isso, Margarida diz outras coisas profundas nesta entrevista. Diz que para si escrever é fácil, as palavras saem-lhe quase sem pensar. Mas que também é difícil, um processo que exige muita concentração e um período de reclusão. Diz que escreve por necessidade, se não escrevesse enlouquecia, mas também admite que é ambiciosa e que se impôs o objectivo de vender um milhão de livros. Ah, não, isso foi antes do AVC, a nova Margarida já não liga a números. Mas se este novo livro vender pouco ficará preocupada, claro. Diz ainda que escreve sobre aquilo que conhece, como todos (?) os escritores, de tal forma que é possível identificar as várias personagens do seu último livro como as várias pessoas da sua família. Uma coisa profunda, como se vê. Mas o melhor de tudo nesta entrevista é mesmo o momento em que Margarida se enerva por Carlos Vaz Marques insistir em fazer perguntas sobre as couves e alforrecas, ou seja, sobre a acusação de auto-plágio. Diz então Margarida que não lhe apetece fazer uma entrevista assim, que não está para isso, "desculpe lá", e vai daí desliga o gravador. Volta a ligá-lo para dizer ao entrevistador que acha que ele está a conduzir "isto" muito mal e que não percebe porque é que ele só lhe fez uma pergunta sobre o livro novo. Margarida teve azar. Fosse esta uma entrevista de meia página num jornal diário e o jornalista nunca conseguiria publicar estes pormenores porque, lá está, no pouco espaço disponível teria que falar das coisas importantes como os livros e a carreira da escritora. Margarida deve ter achado que ninguém se atreveria a publicar a sua insolência. Mas esta não é uma entrevista qualquer numa publicação qualquer. Teve azar. Sorte a nossa.
Margarida Rebelo Pinto passou anos a queixar-se que os críticos literários e a imprensa especializada a ignoravam. Queria ser tratada em pé de igualdade com os outros escritores. Ora aí está. Este mês, com esta deliciosa entrevista, foi capa da Ler e o seu livro, Português Suave, teve críticas arrasadoras nos suplementos culturais do Público e do Expresso. Deve estar satisfeita, portanto.

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Sunday, July 13, 2008

A minha infancia no gerundio

Nas traseiras da minha casa havia uma venda escura e mal cheirosa onde os homens se juntavam bebendo e cantando. Habituei-me a ouvir aquelas vozes entarameladas enquanto tomava banho antes do jantar e não tenho a certeza se não foi por causa delas que comecei a gostar, a gostar muito, de ouvir o cante. Ainda hoje se me forma um nó na garganta quando ouço um destes grupos de homens juntinhos, como se se segurassem uns aos outros, num balanço ritmado, passos pequenos que não saem do lugar e as vozes tristes cantando a terra e as sementeiras. Não sei explicar. Tem qualquer coisa a ver com o calor sufocante de Agosto (a "calma", como dizia a minha avó, "hoje está cá uma calma"); com aquela coisa de se olhar pela janela e ver os campos quase até Beja, uma sensação de infinito como só se tem quando se olha o mar; com as casas brancas e baixas, muito frescas, apesar da calma. Eles cantam ò rama, ò que linda rama e eu tenho outra vez seis anos e vou saltitando no lancil pela rua abaixo ou estou em casa da minha vovó Ana calçando sapatos de salto alto e vestindo combinações de seda como se fossem vestidos de baile. Eles cantam senhora cegonha, como tem passado?, e a mim apetece-me comer as açordas todas, com alho, espinafres ou beldroegas, e sopa de tomate e gaspacho com peixe frito. Eles cantam entre pedras e pedrinhas alguma gota há de haver e eu vejo a minha avó matando uma galinha no quintal com o sangue escorrendo para o ralo. E o meu avô com os botões de cima da camisa abertos (o meu avô usava sempre camisas, nunca o vi com uma t-shirt) e abanando-se com o boné. E eu e a minha irmã descascando uma cesta enorme de favas ou de ervilhas até nos doerem as unhas. E a minha mãe fazendo groselha para o lanche. E o meu pai comendo pão com toucinho ou com torresmos. E nós todos esparramados no quintal, ao fim da tarde, desesperados por um arzinho fresco enquanto ali ao lado, na venda onde nunca entrei mas não era preciso entrar para sentir o cheiro a vinho tinto, um grupo de homens desafinados cantava o nosso Alentejo.

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Thursday, July 10, 2008

A escatologia do amor

O bebé suga-me a mama ao mesmo tempo que se contorce com dores de barriga e quanto maior a quantidade de cocó barulhento maior o afinco (diria antes o desespero) com que engole o leite. Olho o meu filho fedorento e penso como, acho que era a Mafaldinha que o dizia, por vezes a natureza humana tem muito mais de natureza e muito pouco de humano. E dou-lhe um beijo na testa. Meu rico filho.

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Wednesday, July 09, 2008

Tenho saudades tuas


Como quem vê um quadro. Às vezes, temos que nos afastar um pouco para que a vida fique mais nítida.

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Saturday, July 05, 2008

Com açucar, com afecto

Chocolate no inverno, gelado no verão. E um beijo doce.
É tão fácil fazer-me feliz.

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Friday, July 04, 2008

A mae da Sonia

A Sónia (*) escreveu sobre a mãe e eu pus-me a pensar nas várias mães solteiras que conheço. Eu não quero generalizar, vamos lá ver, os homens não são todos uns trastes (graças a deus), mas a estas, que eu conheço, as coisas aconteceram mais ou menos assim: um dia eles acordaram e lembraram-se de dizer olha, afinal, isto do casamento não é exactamente como eu estava à espera, ou, afinal, acho que ainda não estou preparado para os filhos e para a rotina que é uma canseira, ou, afinal, acho que me apaixonei por outra que não tem filhos e podemos namorar e sair à noite e, por isso, tchau, vou-me embora. E vão. E elas ficam a braços com a vida e com as crianças. Não é fácil. E nem estou a pensar naqueles que se marimbam mesmo na famílias e nunca mais aparecem nem sequer naqueles casais que ficam a odiar-se e quase não se falam. Mesmo quando os pais telefonam e se preocupam e querem saber, mesmo quando os pais ficam com os miúdos ao fim-de-semana de quinze em quinze dias, isso não é propriamente uma grande ajuda, não é? Nem é propriamente ser pai, pois não?
Os pais vão buscar os filhos ao sábado de manhã e levam-nos ao jardim zooloógico e ao parque, à praia e à piscina, vão ver a avó e comer gelados. Uma galhofa. Esses auto-intitulados pais não sabem o que é chegar do trabalho todos (mas mesmo todos) os dias e, mesmo cansados ou enervados, ter de jogar à bola, dar banho aos filhos, ajudá-los a fazer os trabalhos de casa, arranjar maneira de eles comerem os bróculos, aturar-lhes as birras e ler-lhes uma história antes de dormir. Nem têm que acordar todos (mas mesmo todos) os dias às sete ou às sete e meia ou lá às horas que as crianças se lembram de acordar e fazer um sorriso e vestir-lhes a roupa e levá-los à escola. Esses pais não têm que se preocupar se o miúdo cresceu e agora é preciso comprar uns sapatos, nem se a roupa da ginástica ainda está suja, nem se as fraldas estão a acabar. Não têm que se lembrar se há sopa no frigorífico ou comida para o jantar. Não são eles que acordam três vezes por noite para os pôr a fazer chi-chi ou porque tiveram um pesadelo ou só para os ir tapar. Isto para já não falar da educação propriamente dita, essa coisa que exige tempo, rotinas, conversas e discussões (e quando se está com um filho de quinze em quinze dias a gente tem mais que fazer do que se chatear, obviamente). São, pois, uma espécie de pais de faz-de-conta.
E eu percebo que as pessoas se separem (lagarto, cruzes, canhoto, onde é que está madeira para eu bater?), que ninguém deve ficar em casa só por causa dos filhos, eu percebo que às vezes os casamentos são lixados e todos devemos procurar ser felizes. Mas não me venham cá dizer que isto é justo. Ou que se resolve com uma lei qualquer que estabelece os deveres da parentalidade.

(*) passei meia-hora a lutar com o computador a tentar perceber como é que se faz um link, mas a minha crónica nabice informática é insuperável. Por isso, quem quiser ler a sónia faça o favor de procurar o cocó na fralda.

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Ta bem, abelha

Para quê comprar fruta se o pacote de sumo que eu gosto tem lá dentro dez laranjas? E há outro que tem um ananás inteirinho e outro duas mangas. As duas colheres de chocolate que todas as manhãs ponho no leite fornecem-me uma dose extra de sete vitaminas e cálcio. Os iogurtes do lanche protegem-me das constipações. E até a maionese (alguém se lembra de um alimento mais saudável?) se anuncia como fonte natural de ómega três. Hummmm. Começo a desconfiar que os senhores que escrevem estas coisas nas embalagens são capazes de estar a exagerar um bocadinho... não sei, talvez... só um pouquinho...

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Wednesday, July 02, 2008

De pequenino

Uma pessoa embala um bebé nos braços. E os braços começam a doer, o bebé é grande, mais de cinco quilos para trás e para frente. Mas uma pessoa insiste. É tão bom dar um colinho. O bebé adormece. Parece um anjo, os olhos fechados, o rosto calmo, os lábios quase que sorriem. Uma pessoa vai pôr o bebé na cama. Devagar. Com jeitinho. Com mil cuidados. E, de repente, os olhos do bebé abrem-se e olham para a mãe como quem diz ah, ah, achavas que me enganavas, era?, e desata num choro estridente como se uma pessoa lhe tivesse batido ou algo do género. Uma pessoa volta a pegar-lhe ao colo. E aguenta. Como dizia o poeta, mais valera se não fora para tão grande amor tão curta a vida. E é assim, com estas manhas, que os filhos começam, desde o berço, a dominar os pais. Qualquer dia, não há de faltar muito, está a pedir-me para ir à discoteca.

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Tuesday, July 01, 2008

O pic-nic da Rita

Cá em casa, hoje, vamos estender a toalha no chão e comer umas sandochas enquanto gritamos o uaê. Em homenagem à vovózinha.

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Fascinios

Para além do português, da filosofia, da história, o que lhe interessava mesmo era o teatro. Em todas as festas do liceu, fosse o natal ou a récita de finalistas, o Toninho era sempre aquele que tinha as ideias, que escrevia as peças, que ensaiava com mais entusiasmo e só descansava quando nos entusiasmava a nós também. Melodramas e comédias, sketches revisteiros ou arremedos de frei luís de sousa, ele fazia tudo. Não que fosse um ávido espectador de teatro ou sequer um grande cinéfilo (era impossível ser alguma destas coisas por aqueles lados naquela altura), mas alimentava-se de telenovelas da globo e tinha, ele próprio, um projecto para fazer uma telenovela. O enredo crescia em páginas dactilogradas ao serão e ele lia-nos excertos nos intervalos ao mesmo tempo que explicava quais os actores que sonhava ver em cada papel. Estás a delirar, Toninho. Ou talvez não. Terminado o liceu, o Toninho foi estudar direito, imagino que com óptimas notas, e nunca mais soube nada dele até há uns tempos quando vi o seu nome na televisão - ali mesmo, escrito com todas as letras, no genérico de uma telenovela. Já não Toninho mas António, autor de novelas do horário nobre que dá entrevistas para as revistas, conhece as estrelas da nossa praça e que, sem medo, trocou o código civil e a gravata por um sonho de miúdo. Assim é que é.

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