Do casamento e outros demonios
Vejamos. Eu casei-me. Não foi por causa do sexo pois que já o tinha antes do sim. Não foi por causa da casa que também já partilhávamos, como tudo o resto, da televisão ao frigorífico, dos tapetes aos pacotes de leite. Não foi por causa dos benefícios fiscais, que eu nem sabia que existiam e ainda hoje não sei, parece que sim, que é mais fácil comprarmos uma casa juntos e os impostos e os seguros e essas coisas, mas não era nisso que eu pensava enquanto lhe punha a aliança no dedo. Não foi por causa das heranças (ah, ah, ah, era bom que fosse, era), mas, pelo sim pelo não, que isto nunca se sabe, até pode sair-nos o euromilhões, casámos no regime geral, com comunhão de adquiridos (voltarei a este assunto daqui a umas linhas). Não foi por causa dos filhos pois felizmente hoje em dia já existem maneiras de proteger os filhos nas separações e de lhes garantir que vão continuar a ter dois pais, aconteça o que acontecer.
Foi porquê, então? Ah, o amor. Pois é. O amor e essa coisa do para sempre, de termos um projecto de vida em conjunto, de querermos construir uma família, de querermos assumir um compromisso, para nós e perante os outros, pois claro, é assim tão difícil reconhecer que grande parte das coisas que fazemos na nossa vida têm um significado diferente quando são vividas em comunidade, que os rituais são isso mesmo, que essas vivências partilhadas ajudam-nos a construir um sentido? (atenção: não estou a falar de aparências, estou a falar de vivências e significados) Gritamos ao mundo que somos um casal e segredamos entre nós que somos um para o outro. A partir de agora, para que fique claro, o que é meu é teu e o que é teu é meu (aqui está a comunhão de adquiridos), quer seja uma almofada ou as jóias herdadas da avó. Porque a partir de agora nós somos um. A minha família é tua. A tua família é minha. E acreditamos e desejamos que assim seja por muito, muito tempo. Queremos envelhecer de mão dada. Queremos essas lamechices todas e mais as discussões e as desilusões e as rotinas que vêm por acréscimo.
E para isso é necessário casar? Para uns sim, para outros não. Para mim foi importante. É importante. Ouso dizer: mesmo que, em termos de direitos e deveres, união de facto e casamento fossem exactamente iguais, ainda assim, eu casaria. Há quem diga que um papel não muda nada. Eu não concordo, mas na boa, quem quiser casar casa quem não quiser não casa, não é?, não vamos obrigar ninguém. Quem quiser unir-se de facto pois que se una. Quem não quiser nada disto também é boa pessoa.
Ora é aqui que entra a outra questão. Há pessoas que querem casar e não podem. Há pessoas para quem isto é importante. E não o podem fazer. É justo?