Rendas e atoalhados
Quando deixámos de ter idade para gostar de bonecas, começámos a receber, todos os natais, panos de loiça, toalhas bordadas e peças de cristal. Não queria acreditar. Avós, tias, madrinha e amigas da mãe, toda a gente achava que lá porque eu era rapariga e estava na adolescência tinha que começar a pensar no meu enxoval. O meu quê? Que caretice, pensava. E, com a minha melhor cara de frete, lá desembrulhava mais um conjunto de lençóis, agradecia a meia dúzia de chávenas de chá, sorria amarelo perante o cinzeiro de estanho. Muitas dessas prendas iam directamente para o armário de “regifts” da minha mãe. Ela que se encarregasse de os distribuir. Outras coisas iam para uma arca, a arca do meu enxoval, que se foi enchendo, sem eu saber muito bem com o quê. Nunca liguei nenhuma. Até ao momento em que me encontrei a morar "sozinha". Sem ser preciso pedir, a minha mãe lá foi trazendo umas coisas dentro de uns sacos. E continuou. Ainda agora, de vez em quando, me aparece com mais uns sacos de rendas e atoalhados. Eu faço um ar de desdém, só para não dar parte de fraca. Mas a verdade é que, entre as coisas do enxoval e as heranças recentes, nunca tive que comprar um toalhão de banho ou uns lençóis para a cama, nunca comprei um pano de loiça, uma tolha de mesa ou um edredão. Dão-me jeito os cobertores e o trém de cozinha, ofertas da minha avó. Uso todos os dias um serviço de verdadeira loiça inglesa, do mais antiquado que há mas que é um luxo, vindo dos armários da vovó Ana, e ainda tenho por estrear um serviço inteiro de loiça para o dia em que der uma festa à séria, com pratos e pratinhos, terrina, molheira e bule a condizer, que foi prenda de casamento escolhida pela minha mãe. Claro que é tudo um bocado fora de moda. Os lençois têm flores e risquinhas como já não se usam, os paninhos bordados a ponto pé de flor fazem sorrir as visitas, as toalhas da casa-de-banho pesam quilos demais. Mas a mim que me interessa? Não só poupei uns trocos como, bem mais importante, não tive que me dar ao trabalho de ir escolher e comprar todas essas coisas. Se eu bem me conheço acho que se tivesse que ser eu a comprar os lençóis o mais certo é que ainda hoje dormisse dentro do saco-cama do campismo. Bendito enxoval.
Labels: memórias
4 Comments:
Os meus avós também me começaram a oferecer coisas para o enxoval, quando tudo o que eu queria era mais uma barriguita ou uns pin y pons novos.
O pior de tudo foi quando os meus próprios pais, de quem eu recebia as melhores prendas, também alinharam na coisa. Foi um serviço de pratos, que me roubou muitos Natais e festas de anos até ficar completo.
Claro que hoje dá tudo muito jeito.
Por aqui passou-se a mesma coisa, da parte das minhas avós. Os meus pais para compensar enquanto éramos pequenas é que nos enchiam de brinquedos. Dinheiro muito mal gasto, pensavam as minhas avós:)
olá.
fartei-me de rir com este teu post.
a diferença na minha história é que eu passei a usar parte do enxoval logo que fui estudar para lisboa. as toalhas foram as primeiras a marchar de uma cor indescritivel. quando fui morar sózinha, nos últimos anos, marchou o resto quase todo.
hoje sobram-me umas colheres de prata que comecei a receber ainda ele era muito boa altura de receber bonecas, natal e anos até fazer uma dúzia, imagina; nem sei bem que lhes faça.
Como te compreendo! Passado um um tempo até comeceia gostar de receber enxoval! E o jeitão que deu, porque quando vamos para uma casa temos de comprar móveis, electrodomésticos, etc. Tudo coisas muito caras e ter já os lençõis, toalhas e etc é uma ajuda enorme!
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