Monday, September 08, 2008

Foi assim

Férias. O carro à pinha. Passamos a ponte a comer gelados. Autoestrada. Lagos. Toda a minha vida passei férias em Lagos e agora até quase me perco com tanta construção, bairros que não existiam, rotundas inesperadas. Da nossa janela já não se vê a meia-praia mas ainda se vê uma nesga de mar (até quando?). Vento. Porque há coisas que nunca mudam. Muito vento. Vais tu à praia com o puto que eu fico em casa com o bebé. Passamos a vida nisto. Agora embalas tu esse que eu vou dar o almoço a este. Agora vais tu adormecer o pequeno que eu conto a história ao grande. Eu e os miúdos no sofá. Enrolados uns nos outros. Risos. Ternuras. É tão bom. Ainda assim, um dos momentos mais desejados do dia é quando (se) calha os dois dormirem a sesta ao mesmo tempo. Uma horita que seja. Para ler o jornal na varanda. Em silêncio. Uns beijos roubados. Já lá vai o tempo em que férias significava sexo a qualquer hora. Agora é preciso esperar que eles durmam e há um que dorme no nosso quarto. Agora é preciso esperar que eles durmam mas tem que ser antes que eu adormeça também. De vez quando arriscamos fazer coisas como antes. Ou quase. Vamos jantar fora. Nós e os ingleses no restaurante às sete e meia da tarde. Come a sopa, senta-te, porta-te bem. Não é bem como antes. Três voltas de carrossel antes de voltar para casa. Rua acima. Vem cá, dá a mão, olha o carro, porta-te bem. Não temos net. A televisão daqui só tem quatro canais mas por mim podia ter apenas um – o segundo. Os outros são puro desperdício. Na dois vemos, dentro do possível, o resto dos jogos olímpicos. O Nelson Évora. O nosso hino. Na dois vemos o Franjinhas, o Carteiro, o Egas e o Becas. Tudo pessoal do meu tempo. Também vemos o filme das abelhas, pirateado e com a voz do Nuno Markl. Três vezes. Compramos o Público todos os dias (férias são férias, não é?). Leio que o João Gilberto deu um concerto no Rio que deve ter sido o máximo e eu por cá só consigo apanhar a rádio comercial. Um enjoo. É por isso, penso, é por isso que eu não ouço música que não seja a “minha música”, não tenho a mínima paciência para estes hits. O meu filho não conhece o João Gilberto mas sabe cantar o “Chega de Saudade”. Chama-lhe a “música da tristeza”, tem coreografia a condizer com beijos e abraços “apertados assim” e é lindo, lindo de se ouvir.
Ao 12º dia fazemos as malas outra vez. Outra vez o carro à pinha. Arrifana. Continuamos sem net, o rádio insiste em só apanhar decentemente a rádio comercial e nem sequer temos televisão. Verdadeiras férias. Não se encontra o Público e os telemóveis raramente tocam. Então, como se está na pasmaceira? A minha família não compreende como é que eu gosto disto. Eu não compreendo como é que eles não compreendem. Acordamos com os passarinhos. Estendemo-nos na rede e passamos o dia no alpendre. O puto joga à bola e anda de bicicleta, chega ao fim do dia com os pés pretos de tanta sujidade. À noite vestimos casacos e fazemos a lareira. Vemos as estrelas. Na nossa rua não passa ninguém, só o casal inglês que, depois da reforma, decidiu vir morar para o fim do mundo com a sua cadela. Morar aqui não sei se conseguia mas uma semana disto de vez em quando é revigorante. Necessária. Acabo, finalmente, de ler a biografia do Tim Maia e passo para a do Marlon Brando. De um maluco para outro maluco. Que vidas. Sou mesmo careta, concluo.
Ao 18º dia fazemos as as malas outra vez. Outra vez o carro à pinha. Autoestrada. Lisboa. Na manhã seguinte, domingo, ainda não são nove e meia e já o fedelho está sentado em frente da televisão a marcar golos, a máquina da roupa a lavar, uma lista de compras gigantesca, o café a pingar na máquina, o bebé a choramingar na cama e nós os dois a saborear o último dia de férias. Era bom que este dia não acabasse. Era bom que este dia. Era bom. Era.

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2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

ai como sao boas as ferias...

7:57 PM  
Blogger me said...

Muito bom! como me identifiquei com o que escreves!

As nossas foram parecidas!
Com a diferença que já podemos ir todos quatro à praia e que as nossas foram integralmente passadas nessa pasmaceira maravilhosa!

E sempre que começamos a enjoar, descemos a Lagos para as voltinhas no carrossel e andar um pouco rua acima, rua abaixo.

Bjocas

2:51 PM  

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