Monday, March 31, 2008

Outros sonhos

Ate já, Rute.

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Ultima sessao no Quarteto

Naquele tempo não havia El Corte Inglés nem Colombo e penso mesmo que não havia ainda Monumental. Naquele tempo, que não foi há assim tanto tempo, quem queria ir ao cinema não ia a um centro comercial, mas também não era preciso, a malta era nova, não tinha dinheiro para compras nem para jantar fora, não tinha carro para estacionar mas em compensação tinha muito tempo. Podia apetecer-nos ir ao cinema a meio da tarde ou ao fim do dia. E para quem, como eu, se movimentava entre a Praça do Chile, o Campo Pequeno e a Avenida do Brasil, o Quarteto ficava mesmo em caminho. Ia-se de metro ou pé. Chegava-se a qualquer hora e descobria-se depois a que horas era a sessão ou qual o filme que se ia ver. Havia sempre qualquer coisa de jeito. Não era um cinema com blockbusters e pipocas. Tinha um café simpático onde nos podíamos sentar a comer maltesers e a ler os jornais, enquanto na televisão passavam os trailers dos filmes. Eu gostava do Quarteto. Daquele ambiente acolhedor. Da máquina de flippers. Dos bilhetes minúsculos em cartão colorido. Dos intervalos. Das salas pequenas onde, por mais que escolhessemos o lugar, parecia sempre que não nos conseguíamos sentar de frente para o ecrã. Era ali que, todos os anos, viamos os filmes do Woody Allen. Como um ritual. E, acho que era em Novembro, havia os aniversários - uma noite inteira cheia de filmes. Comprávamos os bilhetes para as sessões até de manhã mas eu, que se sempre fui uma ensonada, acabava invariavelmente por desistir a meio, despedia-me do pessoal pelas duas manhã, punha um gorro na cabeça e ia para casa. Claro que quando começaram a abrir outras salas a malta tornou-se mais exigente. Depois de se ver cinema no Corte Inglés era difícil voltar àquelas cadeiras onde quase não conseguíamos esticar os pés e tínhamos que estar sempre a desviar a cabeça para ler as legendas e se o filme fosse muito silencioso passávamos o tempo a ouvir os diálogos da sala ao lado. Das últimas vezes que lá fui fez-me confusão o cheiro a mofo das alcatifas e a má qualidade da projecção. E quase juro que vim dali picada por pulgas (alguém me contou que também havia baratas). Portanto, era previsível. Podemos sentir uma certa nostalgia. Do Quarteto e daquele tempo. Mas era previsível. O Quarteto fechou. The End.

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Thursday, March 27, 2008

Teme-se o pior

3.715. Nunca mais esqueci este número. Não sei quanto mede o meu filho ou quanto pesa agora. Não me lembro quantos meses tinha quanto lhe nasceu o primeiro dente nem com que idade começou a comer sopa. Não fixei o dia em que começou a andar nem sei exactamente quais terão sido as suas primeiras palavras. Mas nunca mais esqueci este número: ele tinha exactamente 3.715 quilos quando nasceu. Nem menos um grama. Nem mais um grama. Eram 3715 gramas de gente que me doeram como toneladas e me deixaram em cicatrizante sofrimento durante um mês (poupo-vos aos pormenores).
"3.715? Ah, então já sabe o que a espera", comentou, a sorrir, o médico durante a ecografia na passada terça-feira, enquanto media os ossos do meu bebé e me apontava ali é a cara, está a ver?, e ali a boca, e eu a semi-cerrar os olhos, a tentar ver, só me lembrava daquelas imagens a três dimensões ou lá o que é em que se tem de olhar fixamente para ver maravilhas e eu nunca consegui ver nada para além das manchas coloridas, pois o meu bebé ali no ecrã a preto e branco da ecografia também é uma mancha, ali o coração e depois o braços, vê? Parece que sim, que vejo, e reparo também que naqueles quinze minutos em que estive de barriga à mostra o médico disse três vezes (três) que o meu bebé vai ser grande, para eu estar preparada, porque a dois meses do parto o bicho já pesa 2.100 quilos e está no percentil 75/90 (para os menos habituados à linguagem de mãe explique-se que a escala de crescimento vai do 0 aos 100 e que o normal, a média, é o percentil 50), pois, vai ser grande, vai, ah, mas se o outro tinha 3.715, então já sabe como é. Pois já. Sei, sim senhor. E pela primeira vez nestes meses todos comecei a questionar-me se esta coisa de ter outro filho terá sido uma grande ideia...

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Tuesday, March 25, 2008

Off/ On

Desligados. Durante uma semana não vimos televisão. Nem tivemos internet. Os telefones estavam lá mas quase sempre silenciosos. Faziam-nos falta uns dias assim, para descansar a cabeça e o corpo, para não pensar em nada. Sem pressas, sem termos que nos despachar a correr de manhã, os dias só pontuados pela hora do almoço e do jantar, que isto de fazer férias com uma criança e uma grávida esfomeada também não permite a anarquia total. Mas demo-nos ao luxo de comer no café da praia, de não nos chatearmos se o puto não acabava o arroz ou se não havia sopa, se apesar do frio e da chuva que às vezes caía ele insista em descalçar-se, arregaçando as calças e correndo nas poças de água com um sorriso de orelha a orelha, os dedos gelados, a areia molhada a entrar-lhe pelo casaco adentro. As constipações nem ousaram desafiar tamanha felicidade. E à noite havia sempre a lareira para nos aquecermos. Foi o tempo para carregar baterias. Havemos de precisar de muita energia nos próximos meses. Estas foram as nossas últimas férias a três e só tenho pena de não ter conseguido desfrutar tanto quanto gostaria - por causa da barriga que não me deixa correr com ele na areia nem estender-me na toalha nem ficar tanto tempo a brincar com os carrinhos e que me obrigou a levar uma cadeira para a praia, que deprimente, parecia uma velhota ali sentada de pernas abertas; por causa da barriga que me corta os movimentos e me turva a disposição, me dá azia e me tira a paciência (desculpa, môre, andei um bocado chata, não foi?). Apesar de tudo, no último dia, enquanto arrumavámos as malas e tentávamos fugir ao vendaval, o miúdo insistia em gritar (tudo agora é dito a gritar) que não queria voltar para Lisboa. É pequenino mas já percebe umas quantas coisas. Já passou. A semana acabou e lentamente voltamos às nossas rotinas. Quilos de roupa para lavar. Ir ao supermercado. Fazer o jantar. Voltar à escola. E ao trabalho. Ligar a corrente. Mas bem devagarzinho.

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Monday, March 10, 2008

Pelo nariz

uma açorda de alho num dia cinzento.
o cheiro da cera nos corredores de Santa Maria.
as bolachas maria com manteiga em casa da Tia Bia.
o cheiro a café com leite da pensão em Penacova.
os queques ainda mornos quando são estaladiços por fora e molinhos por dentro.
um dia de verão.
o cheiro dos carros novinhos em folha.
a terra molhada pela chuva.
uma chávena de chocolate quente.
os livros novos e os livros antigos.
refugados e outras delícias da cozinha da minha avó.
o cheiro do sexo entranhado na pele e nos lençóis.
os lençóis lavados e bem esticados quando nos deitamos neles pela primeira vez.
a pele quentinha de um bebé.
a lareira.

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Monday, March 03, 2008

Ruído de fundo

Eu sou aquela que não usa phones. Nem no metro nem na rua nem quando faço jogging (bem, não faço, mas se fizesse não iria correr com música nas orelhas) nem quando vou ao supermercado. Não tenho i-pod nem mp3. Para dizer a verdade nunca tive um discman nem sequer um walkman. A coisa mais parecida foi, há muito, muito tempo, um pequeno rádio a pilhas verde com uns auscultadores cor-de-laranja que a minha vovó Ana trouxe do Rosal de la Frontera, numa das vezes que lá foi comprar caramelos e chocolates manhosos com avelãs. Faz-me impressão aquela coisa de andar na rua e não ouvir os barulhos à minha volta. É um perigo, posso até ser atropelada por não ouvir a buzina de um carro, não é? A verdade é que gosto dos barulhos, sejam eles bons ou maus, sejam passarinhos a chilrear ou autocarros a chiar. Divertem-me as notícias sempre "interessantes" que passam nos ecrãs do metro, a música que não nos dá descanso nos elevadores e centros comerciais, as conversas à minha volta nos transportes (dá sempre vontade de meter o bedelho, de dizer qualquer coisa), as conversas telefónicas dos outros (as pessoas falam muito alto ao telefone e falam de tudo, como se estivessem em casa, dizem mal da prima e do marido, contam pormenores sobre jantares e curtições, noites escaldantes e gajos insuportáveis), os pedintes no metro, a senhora que me oferece o jornal todas as manhãs, as batidas ritmadas vindas de um carro rebaixado e vidros foscos. Este ruído de fundo faz-me sentir ligada ao mundo, embala-me os passos de manhã e pode até influenciar o meu humor ao longo do dia. E quando eu me farto de tudo e me apetece um pouco de quietude basta-me abrir um livro e enfiar-me lá dentro. Vou do Alto dos Moinhos ao Marquês de Pombal num instantinho sem ouvir nada do que se passa ao meu redor. Eu não preciso de música enfiada nos ouvidos. O que eu precisava, isso sim, era de um pouco de silêncio. Mas isso não se consgue com phones, sejam eles pretos ou brancos.

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