Monday, February 25, 2008

Pedimos desculpa pelo incómodo. Prometemos ser breves.

Há umas que fingem dormir. Outras olham distraidamente pela janela ou enfiam a cara no jornal, ainda não te vi, não estou a olhar por isso ainda não te vi. Há pessoas que fazem um ar cansado e sofrido, quase implorando para manterem o lugar. E há até quem, subitamente, do nada, comece a falar das suas doenças, as cruzes que doem, uma perna magoada, nem imagina o que me dói. Ficamos assim uns longos minutos. Até que alguém, mais incomodado, lá faz o favor de se levantar para deixar a grávida sentar-se. Detesto andar de autocarro.

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Wednesday, February 20, 2008

Cazuza

O livro começa com a sua morte, a 7 de Julho de 1990, tinha ele 32 anos. Cazuza, o cara que dizia que era da "turma dos abraços", vai ser a minha companhia nos próximos tempos.

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Monday, February 18, 2008

Brrrrrrrrrr

Não sei se é da chuva, que nos obriga a carregar casacos e guarda-chuvas (na minha terra chamam-se sombrinhas) e mesmo assim andamos todos molhados, os táxis cheiram a mofo, ò senhor por favor não se importa que eu abra um bocadinho a janela mesmo que me salpique um pouco, e nos autocarros e no metro roçamo-nos nos casacos molhados uns dos outros e quando saímos fica um poça de água no lugar onde assentava o guarda-chuva. Não sei se é da casa mais que desarrumada, se é de ter trabalhado no fim-de-semana, se é de não poder folgar a seguir, se é da roupa que não enxuga, se é da barriga que me pesa, se é das hormonas aos saltos (esta desculpa é sempre boa), se é da diarreia do puto que não passa e começar o dia a recolher uma amostra de cocó para levar para análise nunca pode ser um bom prenúncio, não sei do que é, mas sei que há dias que não mereciam existir. Saltava-se uma folha do calendário e aterrava-se num dia melhor.

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Thursday, February 14, 2008

Spam

De um dia para o outro, a minha caixa de correio electrónico começou a ser invadida por mensagens misteriosas. Querem melhorar o meu sexo, aumentar o meu pénis, vender-me prozac, dar-me descontos incríveis. Gente que eu não conheço de lado nenhum dispõe-se a ser minha amiga. Convidam-me para jogar num casino virtual, oferecem-me possibilidades extraordinárias para conhecer o mundo, drogas baratas e mais sexo, claro, mais sete polegadas no meu pénis e a minha vida será diferente, asseguram-me. Acredito! E fico sensibilizada com tanta simpatia. Apetece-me responder a cada um, individualmente, agradecendo a atenção e a preocupação com o meu bem-estar. É raro encontrar pessoas assim, disponíveis, nos dias que correm. O único senão é conseguir encontrar o resto das mensagens, mais urgentes e úteis, no meio de tanta oferta. Até que descubro que os meus colegas também têm recebido mensagens iguais às minhas. E estão danados. Protestam com o serviço de informática. Riem-se dos anúncios ao viagra. Sinto-me traída. Já não se pode confiar na bondade alheia. Estes são os tempos.

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"E fica a mão pequena dentro da mão grande"

Uma referência só à crónica do José Luís Peixoto na Visão de hoje. E prometo que vou ficar uns tempos sem falar de lamechices de mãe.

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Tuesday, February 12, 2008

Cadilhos

Ter filhos... hum... como é que eu hei de dizer isto sem parecer... conservadora, reaccionária, pretensiosa? Como é que vou dizê-lo sem parecer moralista?... Ter filhos... faz de nós melhores pessoas. Já disse. Tentei explicar isto outro dia a uma amiga mas, pela cara dela, acho que não me consegui explicar bem. Olhou para mim como se eu fosse a presidente da associação de famílias numerosas, com dez crianças no colo e a pregar contra o aborto. Não é nada disso. Mesmo. Mas a verdade é que acho que ser mãe faz-nos melhores pessoas. É isso. Não há outra maneira de o dizer.

Faz-nos olhar além do nosso umbigo. Depois de um período (cada vez mais prolongado) de juventude em que vivemos para o nosso próprio prazer - a casa e o carro e as viagens e as férias na neve e o telemóvel topo de gama e a carreira e uma casa melhor e os jantares e os copos e os saldos e a promoção e o aumento e os sapatos novos e sair à noite e tudo e tudo - somos obrigados a pensar no que é bom para outra pessoa. Há mais uma vontade ali a ter em conta. Por isso ter filhos faz-nos ser menos egoístas e egocêntricos. Tal como ter um irmão nos ensina a partilhar. Fazemos coisas para os ver felizes e acabamos a descobrir que isso também nos faz feliz.

Obriga-nos a rever as nossas prioridades. Porque o tempo, o dinheiro e a disposição não dão para tudo, quando temos filhos temos que sacrificar algumas coisas. Talvez aquela ida às compras não seja tão importante, o melhor é aproveitar para ir ao parque. Talvez seja melhor arranjar forças para ir jogar à bola em vez de o deixar a ver televisão a tarde toda enquanto nós dormitamos no sofá. Talvez seja melhor respirar fundo antes de entrar em casa e deixar os problemas do trabalho lá fora para poder aproveitar bem o pouco que nos resta do dia com a nossa família. Uma noite bem dormida é bom, mas se temos uma criança com febre queremos lá saber do nosso descanso, queremos é que ele fique bem, não é? Se calhar até gostávamos de lutar pela promoção mas se, para isso, temos que trabalhar mais de doze horas por dia e chegar a casa quando já estão todos na cama... valerá a pena? Quando se tem um ser tão frágil entre as mãos, que depende totalmente de nós, percebemos o que é realmente importante. E o importante não são as unhas arranjadas nem as dores nas nossas costas. O importante é (lá dizia a minha avó) que tenhamos todos saúde e sejamos felizes (esta foi mesmo moralista, mas enfim).

Educar um filho é (até ver) a tarefa mais difícil que tive de cumprir. Tenho a noção de que todas as decisões são importantes. Tenho, constantemente, de decidir entre o bem e o mal, o que é reprovável e o que devo incentivar. Quero que ele aprenda a brincar com todos os meninos e que empreste a bola. Mas e se lhe baterem na escola, digo-lhe para bater também? Quero que ele aprenda a ser justo e honesto e que acredite na bondade dos homens. Ou será mais importante mostrar-lhe, desde já, que lá fora é uma selva e ele tem que aprender a defender-se e que tem de começar já a ser o melhor se não não vai sobreviver? Encho-lhe a agenda de actividades, obrigo-o a aprender inglês e violino desde os três anos, ou deixo-o correr e andar de bicicleta e levo-o a ver o mar? Compro-lhe os brinquedos só para o ver feliz ou não compro para o ensinar que ele não pode ter tudo? Zango-me? Castigo-o? Bato-lhe? Educar um filho obriga-me, em cada minuto, a pensar nos valores que são importantes para mim e naqueles que eu gostaria que fossem também importantes para ele.

Os livros dizem que é com o nosso exemplo que eles mais aprendem. Pelo menos nisto os livros têm razão, já percebi. E, por isso, todos os dias me esforço por ser a melhor pessoa do mundo. Dizer sempre bom dia, obrigado e se faz favor. Não pôr o dedo no nariz. Não beber o sumo directamente da garrafa. Não dizer palavrões. Não me irritar por coisas de nada (isto é difícil). Não gritar (é quase impossível). Mas ao menos tento. Ceder, partilhar, confiar, cumprir horários, cumprir promessas, ser carinhoso, dar beijinhos, preocupar-me com os outros, não dizer mal dos outros, dar o lugar aos mais velhos, não mentir, não ligar às aparências, não ser preconceituosa. Todos os dias me esforço por ser melhor, só por ele.

Quando somos pais percebemos melhor os nossos pais. Aprendemos a respeitar as dificuldades por que tiveram de passar. Podemos perdoar-lhes os erros que cometeram (não todos mas, pronto, alguns). Percebemos finalmente aquela coisa do "fizemos tantos sacrifícios por ti". Colocamo-nos a nós próprios no lugar de avós, vemo-nos, daqui a uns anos, velhinhos e corcundas, enfiados num lar. Talvez essa imagem seja suficiente para suportarmos uns quantos almoços de domingo, mesmo quando não nos está a apetecer mesmo nada.

Os filhos obrigam-nos a pensar no futuro. Porque a vida não é só aqui e agora. Tomamos consciência que a nossa vida continua depois de nós. Não é um bem um legado mas, sei lá, queremos deixar qualquer coisa para eles. Uma obra. Uma recordação. Um mundo onde se possa viver melhor. As alterações climáticas podem já não nos tocar mas vão tocar os nossos netos. Temos que garantir que os nossos descendentes vão ter água para beber. Que vão ter um emprego. Um ensino de qualidade. Que não vão morrer numa guerra. Vale a pena lutar, manifestar-nos, protestar, desejar, sonhar. Vale a pena. Mesmo que não seja por nós.

Ter um filho tornou-me uma pessoa melhor. Claro que é possível ser melhor mesmo sem ter filhos. Claro que há pais que nunca serão boas pessoas. Mas ter um filho mexeu comigo, abanou-me de uma forma que eu considero positiva. E só posso esperar que isto aconteça também com os outros.

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Wednesday, February 06, 2008

O meu palacio

A nossa casa foi uma herança da revolução. Os donos eram uma das famílias mais ricas da terra mas, quando o verão começou a aquecer de verdade, eles decidiram sair dali o mais rapidamente possível e foi um dos advogados que percebeu que seria preferível alugar a casa, mesmo que a tuta e meia, do que ficar à espera da ocupação. Ele foi esperto. O meu pai aproveitou. E foi assim que nos mudámos para um quase-palácio. Dois andares, um quintal, uma escadaria em mármore digna de filme. Uma sala de estar, uma sala de jantar, uma sala de visitas, um escritório, uma cozinha, uma despensa maior do que muitas salas modernas, um quarto para nós, o quarto dos pais, o quarto dos avós, o quarto das visitas e, qual cereja no topo de um bolo carregado de chantilly, o quarto dos brinquedos. Feitas as contas eram dez assoalhadas. Eu ainda não sabia contar até dez mas aprendi depressa a correr pelos corredores e a deslizar de rabo sentado pelas escadas (as crianças às vezes têm brincadeiras muito parvas). Havia um sistema de campainhas que permitia tocar do quarto ou da sala e aparecia um número num pequeno quadro perto da cozinha - para chamar a criada, já se vê. Para brincar também. Numa casa assim não tínhamos que nos preocupar em deitar coisas foras. Havia sempre um cantinho para guardar qualquer coisa. Um armário, uma arca, uma cómoda. Numa casa assim as festas de aniversário ganhavam outra dimensão, com uma manada de crianças em movimento de uma divisão para a outra. Tínhamos as bonecas todas expostas em estantes e a casinha sempre montada com a cozinha, o cabeleireiro, o quarto. Nunca nos chateávamos uns dos outros, nem mesmo quando a adolescência chegou, porque podia estar cada um no seu canto. Era a casa ideal para receber os amigos. Por mais barulho que fizessemos na sala não se ouvia nada no quarto, nem vice-versa. O pior foi quando os cantos começaram a ficar vazios. Aos poucos. Primeiro foi a minha irmã. Depois eu. Depois a avó. E o avô. E agora chegou a vez dos meus pais. As dez assoalhadas tornaram-se grandes demais para eles e eles, resignados mas contrariados, estão a mudar-se para um apartamento. Lentamente. Resistindo cada dia. E onde é que eu vou pôr aquele móvel? Mas tens a certeza que queres mesmo deitar fora os livros da primária? Será que os tachos vão caber na cozinha? Alguém consegue imaginar a tralha que se acumula ao longo de mais de 30 anos na mesma casa? Os meus pais vão mudar-se e a mim, que já lá não moro há mais de quinze anos anos, que até já tenho uma casa a que chamo minha, que sei que esta é a decisão mais racional e sensata, a mim custa-me, o que querem que diga? Não é por deitarem fora a roupa que eu deixei para trás, para quando lá fosse ao fim-de-semana, mesmo sabendo que nunca a iria usar. Não é por deixar de ter a minha cama, pois se já há muito tempo que tinha trocado o meu quarto de miúda pelo quarto das visitas, com cama de casal. Não é por deitarem para o lixo os bibelôts que me ofereceram quando eu tinha 12 anos e os postais de parabéns que recebi ao longo de uma vida e a minha colecção de calendários, três dossiers pesadíssimos, ou as bonecas de que já não me lembro o nome. É por tudo isto junto. Pela tralha e pelas memórias e pelo facto de aquela ter sido a nossa casa. Nossa. Não era a casa dos meus pais, era a nossa. Mesmo quando eu deixei de saber onde era a gaveta dos talheres e me surpreendia por encontrar roupa desconhecida no meu guarda-fato. Mesmo assim. Era ali que eu sabia de cor o lugar dos interruptores e até podia, se quisesse, optar por não acender nenhuma luz e ir do quarto à cozinha, descendo as escadas, sem tropeçar em nada, nem nos móveis nem nas portas, sem fazer barulho, sem ter medo de monstros escondidos, dando passos determinados na escuridão. E isso só conseguimos na nossa casa.

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