Ter filhos... hum... como é que eu hei de dizer isto sem parecer... conservadora, reaccionária, pretensiosa? Como é que vou dizê-lo sem parecer moralista?... Ter filhos... faz de nós melhores pessoas. Já disse. Tentei explicar isto outro dia a uma amiga mas, pela cara dela, acho que não me consegui explicar bem. Olhou para mim como se eu fosse a presidente da associação de famílias numerosas, com dez crianças no colo e a pregar contra o aborto. Não é nada disso. Mesmo. Mas a verdade é que acho que ser mãe faz-nos melhores pessoas. É isso. Não há outra maneira de o dizer.
Faz-nos olhar além do nosso umbigo. Depois de um período (cada vez mais prolongado) de juventude em que vivemos para o nosso próprio prazer - a casa e o carro e as viagens e as férias na neve e o telemóvel topo de gama e a carreira e uma casa melhor e os jantares e os copos e os saldos e a promoção e o aumento e os sapatos novos e sair à noite e tudo e tudo - somos obrigados a pensar no que é bom para outra pessoa. Há mais uma vontade ali a ter em conta. Por isso ter filhos faz-nos ser menos egoístas e egocêntricos. Tal como ter um irmão nos ensina a partilhar. Fazemos coisas para os ver felizes e acabamos a descobrir que isso também nos faz feliz.
Obriga-nos a rever as nossas prioridades. Porque o tempo, o dinheiro e a disposição não dão para tudo, quando temos filhos temos que sacrificar algumas coisas. Talvez aquela ida às compras não seja tão importante, o melhor é aproveitar para ir ao parque. Talvez seja melhor arranjar forças para ir jogar à bola em vez de o deixar a ver televisão a tarde toda enquanto nós dormitamos no sofá. Talvez seja melhor respirar fundo antes de entrar em casa e deixar os problemas do trabalho lá fora para poder aproveitar bem o pouco que nos resta do dia com a nossa família. Uma noite bem dormida é bom, mas se temos uma criança com febre queremos lá saber do nosso descanso, queremos é que ele fique bem, não é? Se calhar até gostávamos de lutar pela promoção mas se, para isso, temos que trabalhar mais de doze horas por dia e chegar a casa quando já estão todos na cama... valerá a pena? Quando se tem um ser tão frágil entre as mãos, que depende totalmente de nós, percebemos o que é realmente importante. E o importante não são as unhas arranjadas nem as dores nas nossas costas. O importante é (lá dizia a minha avó) que tenhamos todos saúde e sejamos felizes (esta foi mesmo moralista, mas enfim).
Educar um filho é (até ver) a tarefa mais difícil que tive de cumprir. Tenho a noção de que todas as decisões são importantes. Tenho, constantemente, de decidir entre o bem e o mal, o que é reprovável e o que devo incentivar. Quero que ele aprenda a brincar com todos os meninos e que empreste a bola. Mas e se lhe baterem na escola, digo-lhe para bater também? Quero que ele aprenda a ser justo e honesto e que acredite na bondade dos homens. Ou será mais importante mostrar-lhe, desde já, que lá fora é uma selva e ele tem que aprender a defender-se e que tem de começar já a ser o melhor se não não vai sobreviver? Encho-lhe a agenda de actividades, obrigo-o a aprender inglês e violino desde os três anos, ou deixo-o correr e andar de bicicleta e levo-o a ver o mar? Compro-lhe os brinquedos só para o ver feliz ou não compro para o ensinar que ele não pode ter tudo? Zango-me? Castigo-o? Bato-lhe? Educar um filho obriga-me, em cada minuto, a pensar nos valores que são importantes para mim e naqueles que eu gostaria que fossem também importantes para ele.
Os livros dizem que é com o nosso exemplo que eles mais aprendem. Pelo menos nisto os livros têm razão, já percebi. E, por isso, todos os dias me esforço por ser a melhor pessoa do mundo. Dizer sempre bom dia, obrigado e se faz favor. Não pôr o dedo no nariz. Não beber o sumo directamente da garrafa. Não dizer palavrões. Não me irritar por coisas de nada (isto é difícil). Não gritar (é quase impossível). Mas ao menos tento. Ceder, partilhar, confiar, cumprir horários, cumprir promessas, ser carinhoso, dar beijinhos, preocupar-me com os outros, não dizer mal dos outros, dar o lugar aos mais velhos, não mentir, não ligar às aparências, não ser preconceituosa. Todos os dias me esforço por ser melhor, só por ele.
Quando somos pais percebemos melhor os nossos pais. Aprendemos a respeitar as dificuldades por que tiveram de passar. Podemos perdoar-lhes os erros que cometeram (não todos mas, pronto, alguns). Percebemos finalmente aquela coisa do "fizemos tantos sacrifícios por ti". Colocamo-nos a nós próprios no lugar de avós, vemo-nos, daqui a uns anos, velhinhos e corcundas, enfiados num lar. Talvez essa imagem seja suficiente para suportarmos uns quantos almoços de domingo, mesmo quando não nos está a apetecer mesmo nada.
Os filhos obrigam-nos a pensar no futuro. Porque a vida não é só aqui e agora. Tomamos consciência que a nossa vida continua depois de nós. Não é um bem um legado mas, sei lá, queremos deixar qualquer coisa para eles. Uma obra. Uma recordação. Um mundo onde se possa viver melhor. As alterações climáticas podem já não nos tocar mas vão tocar os nossos netos. Temos que garantir que os nossos descendentes vão ter água para beber. Que vão ter um emprego. Um ensino de qualidade. Que não vão morrer numa guerra. Vale a pena lutar, manifestar-nos, protestar, desejar, sonhar. Vale a pena. Mesmo que não seja por nós.
Ter um filho tornou-me uma pessoa melhor. Claro que é possível ser melhor mesmo sem ter filhos. Claro que há pais que nunca serão boas pessoas. Mas ter um filho mexeu comigo, abanou-me de uma forma que eu considero positiva. E só posso esperar que isto aconteça também com os outros.
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