Monday, June 15, 2009

Calor

No Verão, depois do jantar, a minha mãe e a minha avó traziam as cadeiras e sentavam-se à porta de casa. Em toda a rua havia mais cadeiras nos passeios, mais crianças a brincar no lancil, mais pessoas a passearem devagar, homens com as mãos atrás das costas, velhotes que tiravam os bonés para limpar o suor da testa, namorados nos bancos do jardim lá ao fundo. O jardim a que chamávamos ferrinho-de-engomar. Se me sentasse no passeio sentia as pedras ainda quentes nas minhas pernas. Usava calções. Também tive, por uns tempos, uma pulseira de cabedal no tornozelo, feita pelo meu pai. Nas férias não havia hora de deitar e lá pelas onze, quando dava o Dallas, eu ia lá dentro, fazia uma papa Nestum e ficava a ver o Bobby e o Jr. com a luz da sala apagada para não entrarem mosquitos. Nas noites de calor ficávamos na rua a conversar com quem por ali passasse até nos dar o sono e depois, já na cama, com a janela do quarto aberta, adormecíamos destapadas a ouvir os passos lá fora, as conversas na esquina, os boa-noites repetidos. Isto foi há muito tempo, claro está. Acho que hoje já ninguém se senta à porta na minha rua. Na rua que foi minha, quero eu dizer.

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13 Comments:

Blogger IPQ said...

Amiga, que bonito o que escreveste. De repente veio-me à memória os meus serões sentada no largo à porta de um vizinho detestável, mas que tinha a melhor vista sobre o que se passava na rua. Das cassetes dos Wham em altos berros; dos jogos de cartas, dos bailaricos de santos populares que organizávamos, de saltar a fogueira, dos gelados de gelo... que saudades

10:49 AM  
Anonymous Helena said...

Estas suas memórias também são as minhas é que é tal e qual. Somos do tempo em que havia tempo para apreciar e desfrutar das coisas boas da vida.
Helena

12:13 PM  
Blogger Rita Maria said...

Saudades, muitas, também. De pedras da calçada quentes e de ver televisao às escuras de uma noite quente de janelas abertas. Aqui também nunca as fecho, mas isso significa enroscar-me numa manta. E ir a seguir perseguir as borboletas da noite.

5:27 PM  
Anonymous Maria_S said...

Moro em Lisboa e na minha rua também era assim. Eu continuo a ir para a porta, de dia ou de noite (se estiver calor) sentar-me, dar 2 dedos de conversa com os vizinhos e ver os miúdos a brincar. Sempre brinquei na rua e as minhas filhas também gostam de ir lá para fora. Beijinhos que eu vou despachar a cozinha e sentar-me lá fora a apanhar o fresquinho eheheheh ;)

9:09 PM  
Blogger Sílvia said...

Por acaso posso dizer que onde eu moro continua a ser assim... E gosto tanto disso =)

bjo****

11:23 AM  
Blogger Unknown said...

Por aqui, nesta Vila ainda se veêm muitas cadeiras nos passeios, crianças a brincar na rua, pessoas a passear devagarinho...muitas conversas e boas noites, ao contrário do Inverno que toda gente se junta em redor da lareira e não se vê viva alma na rua.

beijinhos

12:05 PM  
Blogger Anette said...

Gostoso o que descreves.

3:57 PM  
Anonymous alfacinha said...

Outros tempos outros costumes.

7:10 PM  
Blogger CGM said...

(um bocadinho de regionalismo)

So quem eh alentejano pode entender o que descreves, partilho quase todas essas memorias, e os jogos de futebol salao durante as ferias, a alegria das noites quentes. Fui tao feliz no Alentejo, tenho a certeza que sim.

10:42 PM  
Blogger Mamã said...

Descreveste as minhas noites no Algarve há muito anos atrás, que giro.

11:39 PM  
Blogger Teresinha said...

adoro ir aos meus avós na santa terrinha e passar as noites de verao com eles à porta a contar histórias.

1:50 AM  
Anonymous Anonymous said...

Estas memórias são também as minhas memórias :) - Alentejana emigrada em Lisboa - mas na mimha rua no Alentejo ainda se sentam à porta nas noites quentes de Verão apesar que existem menos crianças na rua. Actualmente mudei-me para um sitio perto de Lisboa onde os meus filhos possam também criar estas memórias

9:59 AM  
Anonymous cr said...

Ferrinho-de-engomar?
Ferreira do Alentejo? verdade?

12:40 PM  

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