Monday, January 28, 2008

Uns trocos

Manhã de domingo. Debruço-me na janela da cozinha para estender a roupa e reparo que no nosso beco das traseiras há mais três vizinhas de roupão a pendurar cuecas e meias. Olhamo-nos cúmplices. Mesmo sem nos conhecermos sabemos que somos iguais. Que depois de fechar a jenela havemos de ir fazer o almoço e aspirar a casa e zangarmo-nos com os miúdos para que arrumem o quarto. É tão diferente a vida daquilo que sonhámos quando tínhamos 15 anos. Ou 18. Ou 22. Eu sei que dizem que o dinheiro não traz felicidade mas cá a mim dava-me jeito ter mais uns trocos. Não era preciso muito. Era assim só para poder pagar a uma empregada. Uma fada madrinha que viesse cá a casa duas vezes por semana e limpasse tudo e tratasse a roupa. Que ao menos duas vezes por semana eu chegasse a casa e estava tudo num brinco e eu nem precisava fazer o jantar. Que ao menos nesses dias eu pudesse sair de casa sem fazer a cama nem lavar a loiça. Eu sei o que dizem. Que o dinheiro não traz felicidade. Mas eu acho que seria um bocadinho mais feliz se pudesse ir almoçar fora quando me apetece sem ficar com problemas de consciência. Se, de vez em quando, me pudesse dar um vaipe e ir passar um fim de semana a qualquer lado. Bastava ser à Madeira, ao Alentejo, aqui ao lado a Espanha. Só para espairecer. Eu sei que há por aí pessoas que dizem que o dinheiro só traz problemas mas eu tenho para mim que essa gente nunca teve que lavar a sanita nem que ir ao continente ao sábado de manhã. É que se eu ganhasse o euromilhões eu não trocava de casa nem de carro nem de marido, eu não comprava jóias nem roupa. A mim bastavam-me a empregada dois dias (bem, se eu ganhasse o euromilhões podiam ser mais dias) e a felicidade de não ter que trabalhar. Ai, isso é que era. Chegava ao gabinete do meu chefe e dizia adeuzinho, passe bem. E assim já podia voltar a estudar e passar os dias enfiada em bibliotecas, acabava a tese que deixei a meio e depois aproveitava o balanço para me dedicar à investigação e escrever biografias, assim como o Ruy Castro, tornava-me profissional de bisbilhotar as vidas dos outros, fazer entrevistas, ler muito e publicar livros. E, depois, às cinco da tarde ia buscar os putos à escola e tenho a certeza que, se não tivesse que trabalhar nem fazer o jantar nem limpar a casa, o dia me iria correr muito melhor, até me iria divertir a brincar aos homem-aranha e aos carrinhos. E até iria chegar à noite muito mais fresca e sexy. Eu sei, eu sei, já ouvi dizer que o dinheiro não traz felicidade. Mas assim mais mil euritos por mês mal não iriam fazer, pois não?

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Monday, January 21, 2008

Pierre Cosso

Foi o meu primeiro ídolo. Apareceu numa série de televisão falada em italiano chamada 'Cinderella dos anos 80', que dava na RTP1, aos fins de semana depois do almoço. E aparecia também na 'Bravo', a revista alemã da qual eu recortava fotografias para colocar nos cadernos e posters para a parede. Pierre Cosso foi o meu primeiro ídolo. Tinha os olhos azuis e um penteado foleiro - mas não éramos todos foleiros nos anos 80? Desde então, pergunto a todas as raparigas da minha idade se se lembram dele e nunca ninguém se lembra. Quem? Cheguei a duvidar da minha sanidade. Terei sonhado com este tipo a andar de lambreta? Fui salva pela internet. Pierre Cosso existiu mesmo - ainda existe, tem mulher e filhos, barba de três dias e um ar bastante mais aconselhável agora que já passou dos 40 (os homens têm essa sorte, a idade joga geralmente a seu favor). Não se tornou um actor famoso nem consta que tenha feito nada de muito importante na vida. Mas para mim basta este dueto com Bonnie Bianco. 'Stay'. Vejo isto agora e delicio-me com os penteados, as roupas, a musiquinha, os olhares melosos. A adolescência é um lugar estranho. Eu sabia esta letra de cor. Mais assustador: ainda sei.

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Thursday, January 03, 2008

Chico Buarque - O Meu Amor

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Wednesday, January 02, 2008

2007 - Coroa

Sim, a vida acontece lá fora. Apesar do stress, das correrias, de chegar a casa e ter de fazer o jantar enquanto dou banho ao puto, de de vez em quando não ter pão para o pequeno-almoço. Apesar da conta bancária ridícula, de acordar às sete da manhã, de não ter empregada e termos nós de lavar e passar a roupa, aspirar o pó e limpar a casa-de-banho. Apesar de tudo, é por aqui que a vida acontece. Com o meu homem a dar-me beijinhos e a fazer colherinha quando se vai deitar. Com o meu filho lindo, teimoso e birrento mas lindo, que me dá abraços e alegrias todos os dias. Está cada vez mais crescido, já se veste sozinho, faz xi-xi de pé, mente-me descaradamente e canta “you’re simply the best”, que ouve no carro do avô, com a pronúncia mais engraçada que eu já alguma vez ouvi. E com todas as outras pessoas que, umas mais perto, outras mais longe, me enchem a vida e a quem tento (embora nem sempre consiga) corresponder. A vida acontece quando estamos de férias e, ao terceiro dia, já conseguimos não gritar uns com os outros, já conseguimos relaxar e deixar-nos levar, desfrutar do pôr-do-sol, aproveitar os momentos de silêncio e dar muitos abraços. Há momentos em que sou tão feliz mas tão feliz que me apetecia fazer "pause" e ficar por ali. Este ano, finalmente, mudámos de casa. Ainda está tudo meio atabalhoado, ainda há caixotes pelos cantos, faltam tapetes, cortinados, alguns móveis. Mas já temos mais do que um quarto. E vamos ter um escritório. E máquina de lavar loiça. E, melhor ainda, vamos ter mais um bebé. Mais um rapaz para me atazanar a cabeça e dar-me motivos para continuar. Não tem sido fácil e, segundo me dizem, tudo vai ser ainda difícil daqui para a frente. Mas este ano tomámos decisões importantes e estamos muito contentes com elas. Até vamos mudar de carro, imaginem só. Não será só o bebé, não. Coisas boas vão acontecer em 2008. É preciso acreditar. Como canta o Chico, “amanhã há de ser outro dia”.

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2007 - Cara

A tempestade fez-se anunciar no ano anterior. Um raio caiu lá longe, na Patagónia, mas a chuva foi forte deste lado. À minha volta deixou de haver sorrisos ou piadas. Só tristeza. E eu sem saber o que fazer para acudir a tanta dor. Tanta dor e um pressentimento cada vez mais forte de que algo iria mudar, de que uma era terminava ali, nos últimos dias de 2006. De que tínhamos de aproveitar ao máximo aquela réstia de passado, antes que desaparecesse. Como desapareceu mesmo.
2007. Um a um, os meus amigos que eram também meus colegas abandonaram as suas cadeiras e foram-se embora (e os que não foram de facto, acabaram também se afastando por uma série de outras razões). Que bom para eles, desejo-lhes o melhor do mundo, mas foram-se embora, deixaram de estar ali de manhã para me dar bom dia, para conversar comigo, para me aturarem, para partilharem, para protestarmos juntos, para trabalharmos (e é tão bom trabalhar com pessoas que são também nossas amigas), para me darem alento. Foram-se embora e eu perdoo-lhes porque fizeram bem em ir, porque gosto de os ver felizes, porque, no fundo, sei que fizeram o que tinham de fazer. Mas, por outro lado, como posso perdoar a quem me deixa tão só e me faz ter tanta saudade? Trabalho ali há mais de dez anos e nunca me tinha sentido assim tão sozinha, tão abandonada. Chego de um fim de semana e quero contar a última novidade do meu filho. Mas a quem? Morro de angústia e olho para o lado, percorro as cadeiras à procura de alguém com quem desabafar e acabo por engolir em seco e seguir em frente. Claro que a amizade continua, e a gente até continua a falar e a ver-se e a telefonar, combinamos jantares, marcamos encontros. Mas eu já tinha amigos desses, eu queria era ter amigos ali ao lado, para dar a mão por baixo da secretária, para pedir colo a meio da tarde, para irmos juntas chorar para a casa-de-banho, para pedir socorro só com o olhar, para perder tempo em conversas de nada, um vestido novo, o meu vizinho que faz barulho, o episódio de ontem à noite, sabem? Procuro novos amigos, encontro algumas empatias, re-encontro pessoas com quem já há muito não falava. A coisa faz-se, tem de ser. Mas lá que custa, custa.
2007. E, de repente, o sítio, o tal sítio, onde eu trabalho há mais de dez anos, já não é o meu sítio, é outra coisa qualquer, uma coisa que eu não reconheço, uma coisa de que não gosto. Mudam os chefes, mudam os objectivos, mudam as estratégias, os métodos, muda tudo. Mudam-me a mim. Olha, tu, agora, já não vais fazer bolos, nós achamos que tu és boa é a recolher o lixo. E pronto, quem manda, manda bem. Ninguém quer saber da nossa opinião para nada. O que se quer é vender e, para isso, vale qualquer coisa, até tirar olhos. “A empresa tem de sobreviver e isso tem um preço”, dizem-me. Eu tenho de sobreviver e o preço que tenho de pagar é este: fazer o que me mandam. Mas quem é que disse que tínhamos de ser felizes no trabalho? De facto, eu era uma privilegiada, porque eu gostava daquilo que fazia, eu gostava de trabalhar. Ora o trabalho, toda a gente sabe, tem que ser um sacrifício, uma coisa má. Assim é que está bem. E, de repente, de um dia para o outro, eu dispo a camisola e não quero mais saber. Não me peçam para estar feliz, não me peçam para ser solidária, não me peçam nada porque eu não dou. Estou ali, cumpro o meu horário, faço o que me mandam, faço o que tenho a fazer porque também não gosto de me sentir inútil e incompetente. Mas todos os dias conto as horas e os minutos que faltam para passar o cartão e ir-me embora. A vida acontece lá fora e isto aqui é só um entretanto.
2007. Cresci a aprender que os bons são recompensados e os maus castigados. É horrível pensar assim, porque sempre que as coisas não correm bem eu fico a achar que a culpa é minha, que eu mereci o mal que me aconteceu. Por isso este foi um ano de muitas dúvidas. Dúvidas de mais. Talvez eu tenha escolhido mal a minha carreira, talvez não fosse nada disto, talvez eu faça mesmo tudo errado, talvez eu seja mesmo uma péssima profissional, talvez eu seja mesmo um zero à esquerda e por isso é que ninguém me convida para sair (por isso é que os outros se vão embora e eu continuo aqui, a ganhar mofo), por isso é que eu mereço que me obriguem a fazer tudo o que eu não gosto, por isso é que ainda me hão-de pôr na prateleira – na prateleira mais esconsa e bolorenta – e eu sem vontade sequer de lutar contra isso. Muitas dúvidas, difíceis de confessar (uma pessoa, mesmo a mais insegura do mundo, ainda tem um bocadinho de orgulho), difíceis de ultrapassar. O ano acabou mas as dúvidas persistem.

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