Uns trocos
Manhã de domingo. Debruço-me na janela da cozinha para estender a roupa e reparo que no nosso beco das traseiras há mais três vizinhas de roupão a pendurar cuecas e meias. Olhamo-nos cúmplices. Mesmo sem nos conhecermos sabemos que somos iguais. Que depois de fechar a jenela havemos de ir fazer o almoço e aspirar a casa e zangarmo-nos com os miúdos para que arrumem o quarto. É tão diferente a vida daquilo que sonhámos quando tínhamos 15 anos. Ou 18. Ou 22. Eu sei que dizem que o dinheiro não traz felicidade mas cá a mim dava-me jeito ter mais uns trocos. Não era preciso muito. Era assim só para poder pagar a uma empregada. Uma fada madrinha que viesse cá a casa duas vezes por semana e limpasse tudo e tratasse a roupa. Que ao menos duas vezes por semana eu chegasse a casa e estava tudo num brinco e eu nem precisava fazer o jantar. Que ao menos nesses dias eu pudesse sair de casa sem fazer a cama nem lavar a loiça. Eu sei o que dizem. Que o dinheiro não traz felicidade. Mas eu acho que seria um bocadinho mais feliz se pudesse ir almoçar fora quando me apetece sem ficar com problemas de consciência. Se, de vez em quando, me pudesse dar um vaipe e ir passar um fim de semana a qualquer lado. Bastava ser à Madeira, ao Alentejo, aqui ao lado a Espanha. Só para espairecer. Eu sei que há por aí pessoas que dizem que o dinheiro só traz problemas mas eu tenho para mim que essa gente nunca teve que lavar a sanita nem que ir ao continente ao sábado de manhã. É que se eu ganhasse o euromilhões eu não trocava de casa nem de carro nem de marido, eu não comprava jóias nem roupa. A mim bastavam-me a empregada dois dias (bem, se eu ganhasse o euromilhões podiam ser mais dias) e a felicidade de não ter que trabalhar. Ai, isso é que era. Chegava ao gabinete do meu chefe e dizia adeuzinho, passe bem. E assim já podia voltar a estudar e passar os dias enfiada em bibliotecas, acabava a tese que deixei a meio e depois aproveitava o balanço para me dedicar à investigação e escrever biografias, assim como o Ruy Castro, tornava-me profissional de bisbilhotar as vidas dos outros, fazer entrevistas, ler muito e publicar livros. E, depois, às cinco da tarde ia buscar os putos à escola e tenho a certeza que, se não tivesse que trabalhar nem fazer o jantar nem limpar a casa, o dia me iria correr muito melhor, até me iria divertir a brincar aos homem-aranha e aos carrinhos. E até iria chegar à noite muito mais fresca e sexy. Eu sei, eu sei, já ouvi dizer que o dinheiro não traz felicidade. Mas assim mais mil euritos por mês mal não iriam fazer, pois não?
3 Comments:
Revejo-me tanto! E ninguém me leva a sério quando digo que não queria ser milionária, nem mudar de casa, nem um topo de gama; o que eu queria era passar de depender do saldo no talão do multibanco para nem ter que pensar nisso. Faz TODA a diferença.
Com a chegada do rebento revejo-me cada vez mais nisto, mas a experiência diz-me que quanto mais dinheiro temos, mais gastamos, e mesmo que em vez de 1000 fossem mais 5000 por mês, na volta andava tudo na mesma.
Bom bom, era sermos capazes de ter mais dinheiro, mas nunca subir as nossas ambições materialistas ;) Isso é que era!
Texto espectacular!!
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