2007 - Cara
A tempestade fez-se anunciar no ano anterior. Um raio caiu lá longe, na Patagónia, mas a chuva foi forte deste lado. À minha volta deixou de haver sorrisos ou piadas. Só tristeza. E eu sem saber o que fazer para acudir a tanta dor. Tanta dor e um pressentimento cada vez mais forte de que algo iria mudar, de que uma era terminava ali, nos últimos dias de 2006. De que tínhamos de aproveitar ao máximo aquela réstia de passado, antes que desaparecesse. Como desapareceu mesmo.
2007. Um a um, os meus amigos que eram também meus colegas abandonaram as suas cadeiras e foram-se embora (e os que não foram de facto, acabaram também se afastando por uma série de outras razões). Que bom para eles, desejo-lhes o melhor do mundo, mas foram-se embora, deixaram de estar ali de manhã para me dar bom dia, para conversar comigo, para me aturarem, para partilharem, para protestarmos juntos, para trabalharmos (e é tão bom trabalhar com pessoas que são também nossas amigas), para me darem alento. Foram-se embora e eu perdoo-lhes porque fizeram bem em ir, porque gosto de os ver felizes, porque, no fundo, sei que fizeram o que tinham de fazer. Mas, por outro lado, como posso perdoar a quem me deixa tão só e me faz ter tanta saudade? Trabalho ali há mais de dez anos e nunca me tinha sentido assim tão sozinha, tão abandonada. Chego de um fim de semana e quero contar a última novidade do meu filho. Mas a quem? Morro de angústia e olho para o lado, percorro as cadeiras à procura de alguém com quem desabafar e acabo por engolir em seco e seguir em frente. Claro que a amizade continua, e a gente até continua a falar e a ver-se e a telefonar, combinamos jantares, marcamos encontros. Mas eu já tinha amigos desses, eu queria era ter amigos ali ao lado, para dar a mão por baixo da secretária, para pedir colo a meio da tarde, para irmos juntas chorar para a casa-de-banho, para pedir socorro só com o olhar, para perder tempo em conversas de nada, um vestido novo, o meu vizinho que faz barulho, o episódio de ontem à noite, sabem? Procuro novos amigos, encontro algumas empatias, re-encontro pessoas com quem já há muito não falava. A coisa faz-se, tem de ser. Mas lá que custa, custa.
2007. E, de repente, o sítio, o tal sítio, onde eu trabalho há mais de dez anos, já não é o meu sítio, é outra coisa qualquer, uma coisa que eu não reconheço, uma coisa de que não gosto. Mudam os chefes, mudam os objectivos, mudam as estratégias, os métodos, muda tudo. Mudam-me a mim. Olha, tu, agora, já não vais fazer bolos, nós achamos que tu és boa é a recolher o lixo. E pronto, quem manda, manda bem. Ninguém quer saber da nossa opinião para nada. O que se quer é vender e, para isso, vale qualquer coisa, até tirar olhos. “A empresa tem de sobreviver e isso tem um preço”, dizem-me. Eu tenho de sobreviver e o preço que tenho de pagar é este: fazer o que me mandam. Mas quem é que disse que tínhamos de ser felizes no trabalho? De facto, eu era uma privilegiada, porque eu gostava daquilo que fazia, eu gostava de trabalhar. Ora o trabalho, toda a gente sabe, tem que ser um sacrifício, uma coisa má. Assim é que está bem. E, de repente, de um dia para o outro, eu dispo a camisola e não quero mais saber. Não me peçam para estar feliz, não me peçam para ser solidária, não me peçam nada porque eu não dou. Estou ali, cumpro o meu horário, faço o que me mandam, faço o que tenho a fazer porque também não gosto de me sentir inútil e incompetente. Mas todos os dias conto as horas e os minutos que faltam para passar o cartão e ir-me embora. A vida acontece lá fora e isto aqui é só um entretanto.
2007. Cresci a aprender que os bons são recompensados e os maus castigados. É horrível pensar assim, porque sempre que as coisas não correm bem eu fico a achar que a culpa é minha, que eu mereci o mal que me aconteceu. Por isso este foi um ano de muitas dúvidas. Dúvidas de mais. Talvez eu tenha escolhido mal a minha carreira, talvez não fosse nada disto, talvez eu faça mesmo tudo errado, talvez eu seja mesmo uma péssima profissional, talvez eu seja mesmo um zero à esquerda e por isso é que ninguém me convida para sair (por isso é que os outros se vão embora e eu continuo aqui, a ganhar mofo), por isso é que eu mereço que me obriguem a fazer tudo o que eu não gosto, por isso é que ainda me hão-de pôr na prateleira – na prateleira mais esconsa e bolorenta – e eu sem vontade sequer de lutar contra isso. Muitas dúvidas, difíceis de confessar (uma pessoa, mesmo a mais insegura do mundo, ainda tem um bocadinho de orgulho), difíceis de ultrapassar. O ano acabou mas as dúvidas persistem.
2007. Um a um, os meus amigos que eram também meus colegas abandonaram as suas cadeiras e foram-se embora (e os que não foram de facto, acabaram também se afastando por uma série de outras razões). Que bom para eles, desejo-lhes o melhor do mundo, mas foram-se embora, deixaram de estar ali de manhã para me dar bom dia, para conversar comigo, para me aturarem, para partilharem, para protestarmos juntos, para trabalharmos (e é tão bom trabalhar com pessoas que são também nossas amigas), para me darem alento. Foram-se embora e eu perdoo-lhes porque fizeram bem em ir, porque gosto de os ver felizes, porque, no fundo, sei que fizeram o que tinham de fazer. Mas, por outro lado, como posso perdoar a quem me deixa tão só e me faz ter tanta saudade? Trabalho ali há mais de dez anos e nunca me tinha sentido assim tão sozinha, tão abandonada. Chego de um fim de semana e quero contar a última novidade do meu filho. Mas a quem? Morro de angústia e olho para o lado, percorro as cadeiras à procura de alguém com quem desabafar e acabo por engolir em seco e seguir em frente. Claro que a amizade continua, e a gente até continua a falar e a ver-se e a telefonar, combinamos jantares, marcamos encontros. Mas eu já tinha amigos desses, eu queria era ter amigos ali ao lado, para dar a mão por baixo da secretária, para pedir colo a meio da tarde, para irmos juntas chorar para a casa-de-banho, para pedir socorro só com o olhar, para perder tempo em conversas de nada, um vestido novo, o meu vizinho que faz barulho, o episódio de ontem à noite, sabem? Procuro novos amigos, encontro algumas empatias, re-encontro pessoas com quem já há muito não falava. A coisa faz-se, tem de ser. Mas lá que custa, custa.
2007. E, de repente, o sítio, o tal sítio, onde eu trabalho há mais de dez anos, já não é o meu sítio, é outra coisa qualquer, uma coisa que eu não reconheço, uma coisa de que não gosto. Mudam os chefes, mudam os objectivos, mudam as estratégias, os métodos, muda tudo. Mudam-me a mim. Olha, tu, agora, já não vais fazer bolos, nós achamos que tu és boa é a recolher o lixo. E pronto, quem manda, manda bem. Ninguém quer saber da nossa opinião para nada. O que se quer é vender e, para isso, vale qualquer coisa, até tirar olhos. “A empresa tem de sobreviver e isso tem um preço”, dizem-me. Eu tenho de sobreviver e o preço que tenho de pagar é este: fazer o que me mandam. Mas quem é que disse que tínhamos de ser felizes no trabalho? De facto, eu era uma privilegiada, porque eu gostava daquilo que fazia, eu gostava de trabalhar. Ora o trabalho, toda a gente sabe, tem que ser um sacrifício, uma coisa má. Assim é que está bem. E, de repente, de um dia para o outro, eu dispo a camisola e não quero mais saber. Não me peçam para estar feliz, não me peçam para ser solidária, não me peçam nada porque eu não dou. Estou ali, cumpro o meu horário, faço o que me mandam, faço o que tenho a fazer porque também não gosto de me sentir inútil e incompetente. Mas todos os dias conto as horas e os minutos que faltam para passar o cartão e ir-me embora. A vida acontece lá fora e isto aqui é só um entretanto.
2007. Cresci a aprender que os bons são recompensados e os maus castigados. É horrível pensar assim, porque sempre que as coisas não correm bem eu fico a achar que a culpa é minha, que eu mereci o mal que me aconteceu. Por isso este foi um ano de muitas dúvidas. Dúvidas de mais. Talvez eu tenha escolhido mal a minha carreira, talvez não fosse nada disto, talvez eu faça mesmo tudo errado, talvez eu seja mesmo uma péssima profissional, talvez eu seja mesmo um zero à esquerda e por isso é que ninguém me convida para sair (por isso é que os outros se vão embora e eu continuo aqui, a ganhar mofo), por isso é que eu mereço que me obriguem a fazer tudo o que eu não gosto, por isso é que ainda me hão-de pôr na prateleira – na prateleira mais esconsa e bolorenta – e eu sem vontade sequer de lutar contra isso. Muitas dúvidas, difíceis de confessar (uma pessoa, mesmo a mais insegura do mundo, ainda tem um bocadinho de orgulho), difíceis de ultrapassar. O ano acabou mas as dúvidas persistem.
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