A rapariga da franja
Hoje, quando estava sentada no meu cabeleireiro fashion no Chiado, com o Jorge a escortinhar-me o cabelo, dei por mim a pensar: o que é que a Sidónia acharia disto? A Sidónia (só o nome é todo um programa) era a cabeleireira da minha mãe e foi também a minha primeira cabeleireira. Tinha um pequeno salão com cheiro a laca onde só ela trabalhava e por isso nunca estavam lá mais do que três pessoas ao mesmo tempo. Nós chegávamos e aquilo era nosso. Havia uma almofada enorme para as crianças se sentarem quando lavavam o cabelo. Havia daqueles secadores de pé, que faziam muito barulho, onde as senhoras enfiavam a cabeça cheia de rolos. E toda a gente usava rolos naquele tempo. Havia um mesa pequena cheia de revistas, sobretudo a crónica feminina com as suas fotonovelas românticas. A Sidónia, uma mulher magra, hirta, de troço enrolado na nuca, não era dada a grandes simpatias nem primava pela imaginação quanto ao design de cabelos. Estávamos ainda a sair dos anos 70 numa terreola do Alentejo profundo, ninguém se lembraria de entrar por ali a pedir madeixas azuis ou cabelos em pé. Ela devia saber fazer uns três ou quatro penteados diferentes e isso bastava para satisfazer as clientes com hora marcada todas as semanas. Quando chegava a minha vez a Sidónia começava logo a fazer cara de má. Era preciso que eu ficasse quieta. O meu cabelo sempre foi liso, liso, liso, tão liso que não dá para pôr um gancho ou segurar um elástico, e, como não se usava ou ela não saberia fazer um escadeado, o meu penteado exigia mão firme para que ficasse tudo direitinho à volta e ainda mais na malfadada franja. Eu sentia a tesoura rente à testa, a Sidónia a franzir os olhos, a morder a língua, a controlar o tamanho pelas sobrancelhas, a cortar sem pressas, não mexe, não respira, e, apesar de todo o cuidado, o mais provável é que aquilo acabasse por entortar mais para um lado ou mais para o outro. Responsável durante anos pela minha franja à Beatriz Costa, o que diria a Sidónia se me visse hoje no meu cabeleireiro fashion, lounge music no ar, cadeiras que vibram e o Jorge a lançar a tesoura de qualquer maneira, a cortar bocados de cabelo aparentemente sem nexo, a escortinhar (escortinhar é o termo certo) o meu cabelo para que ele ficasse propositadamente desacertado. Onde é que já se viu isto, pagar um balúrdio e ficar com o cabelo com pontas. Realmente.
Labels: memórias
4 Comments:
:))))))
epá eu fiz pior...
frequento o mesmo cabeleireiro que fica À porta de minha casa, mas troquei a mãe pela filha xD
quando faço marcações peço que sejaa filha a atender-me
Coisas de vida moderna! ;)
*BJS*
Olá.
Confesso que tenho um trauma de infância provocado pela minha mae. Um ano (tinha eu provavelmente 5 anos) fomos de ferias e a minha mãe decidiu ser cabeleireira por um dia, como me via sempre a bufar para as repas devido ao calor e as mesmas estarem compridas decidiu fazer-me um look não muito parecido com a Beatriz Costa mas sim como aqueles novos punks que acham que ter as repas mais compridas de um lado do que outros é muito in... nunca mais fui a mesma pessoa
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