Dia da mulher, segunda parte
Estávamos a folhear os jornais do fim-de-semana quando a ouço dizer: "Não percebo porque é que ele escolheu uma grávida para ministra, se daqui a uns meses vai ter que meter licença, não faz sentido nenhum". Não, não foi a minha mulher-a-dias que disse isto (até porque eu não tenho mulher-a-dias), foi antes uma das pessoas que eu mais respeito e admiro neste mundo, a minha irmã, a minha irmãzinha, mulher independente, decidida, que faz, pode e acontece com a sua vida, mulher que estudou e sabe coisas, que lê, que ensina os jovens e que os ensina bem, e que até é mãe. Não queria acreditar. O quê? Desculpa, mas tu achas mesmo isso? E ela continua dizendo que não achava normal, então se alguém a iria ter que substituir durante estes meses mais valia ter sido logo esse alguém a aceitar o cargo e mais não sei quê. E eu a perguntar se as mulheres competentes deveriam ser discriminadas por serem mulheres, se entre um homem e uma mulher se deveria sempre contratar o homem porque esse, ao menos, nunca iria meter licença, se não era contra isso que andávamos a lutar há mais de um século. E no meio da discussão (sim, porque isto já era uma discussão, e o meu tom de voz já estava lá em cima e eu já nem me conseguia controlar de tanta perplexidade) ainda a ouço dizer que não, que as mulheres não podem ser discriminadas mas que sim, que é verdade, que não deviam aceitar cargos de decisão quando estão grávidas pois quando metem licença isso é muito perturbador e até deu um exemplo lá da escola dela de uma colega, coitada, que teve o azar de ser directora de turma e agora está de licença de gravidez e é uma grande chatice porque há imensos assuntos para tratar. Pois claro. Como se as mulheres que aceitam ser ministras ou directoras de empresas ou qualquer assim com mais poder tivessem que assinar um compromisso - e durante este tempo prometo que não vou engravidar que é para não prejudicar ninguém. E eu a perguntar se as mulheres teriam de continuar sempre a ter de optar entre a família e a carreira, se isto queria dizer que iríamos ficar costureiras para a vida toda e, ai meu deus, nem quero imaginar o que acontecerá quando for possível tirar licença de um ano, aí vai ser o fim do mundo, desaparecerão as poucas mulheres que estão no topo das carreiras - ou então ficarão para sempre impedidas de ter filhos. A conversa terminou mal. Nenhuma de nós mudou de opinião e só restou um silêncio incómodo, enquanto continuámos a folhear os jornais. E eu a pensar no que ainda temos de caminhar. A pensar que, afinal, o dia da igualdade ainda vai tardar. E, pior do que isso, a pensar que tudo o que eu disse, tudo o que eu defendo, são apenas palavras jogadas fora. A verdade, verdadinha, é que milhares de mulheres são discriminadas hoje em dia nas suas carreiras apenas por serem mulheres. A verdade, verdadinha, é que eu própria fiz a minha opção, voluntariamente, sem pressões. Entre ser a empregada modelo, que trabalha até às 11 da noite, disponível todos os fins-de-semana e tem algum poder nas mãos e ser uma mãe-não-modelo-mas esforçada, que dá o seu melhor, janta à mesa com os filhos e lhes dá um beijo de boa-noite, a decisão foi tão simples como se eu vivesse no século XVII e ainda usasse espartilho. Um espartilho na cabeça.
2 Comments:
Muito bem, gata! Tens toda a razão, toda! Ainda bem que há pessoas que não pensam como a tua irmã, que eu também conheço (que raio de coisa, essa), e contratam mulheres, grávidas ou em idade de engravidar, para cargos importantes (ou apenas para cargos). Estou contigo. E eu também farei sempre a mesma opção: entre ser uma carreirista tresloucada e ser uma mãe minimamente decente, escolho a segunda. Já que é preciso escolher... também eu tenho o espartilho na cabeça.
Ainda ontem esse assunto foi motivo de discussão lá em casa, a minha mãe pensa como a tua irmã, uma tristeza....
Post a Comment
<< Home