Sentimento de culpa (em dois actos)
As notícias dizem-nos que as crianças não devem ficar nas creches mais do que cinco ou seis horas por dia. Os psicólogos explicam que as crianças precisam do contacto com a família, que sentem profundamente este afastamento, que mais do que cinco horas poderá ser traumatizante, que há até umas que ficam deprimidas. Cinco horas por dia é o máximo, alerta um psicólogo de voz melosa. Realmente. Os pais, esses malvados, que não se esforçam, que são uns irresponsáveis, que vão para a galdeirice um dia inteiro em vez de tomarem conta das crias, que até gostam e fazem de propósito para terem que trabalhar nove horas por dia só para estarem longe dos filhos rabugentos. Eu concordo plenamente. Cinco horas parece-me ideal. E desde já agradeço a preocupação do senhor psicólogo e, adivinho, pelas suas palavras, que posso contar com a sua ajuda para resolver esta situação. Digamos que lá pelas 15.00 pode ir buscar o meu pimpolho. A essa hora ele já deve ter acordado da sesta, por isso, dou-lhe a chave de minha casa que fica mesmo ao lado da creche e podem ficar à vontade a brincar e a estabelecer uma relação afectiva profunda, que eu não me importo, até à hora em que eu chegarei morta do trabalho. E, já agora, nos entretantos, podia ir adiantando o jantar, está bem?
(parte-se-me o coração todos os dias quando, depois de ter saído a correr do meu emprego com a sensação de que sou olhada de lado por toda a gente e de ter discutido com o taxista para ele ir um bocadinho mais depressa, entro na escola do meu pequenino, olhando para o relógio a ver se ainda não são sete horas, e ele vem a correr para mim com um beicinho de todo o tamanho e as lágrimas gordas a correrem pela cara, agarra-se a mim com força e não há quem consiga voltar a pô-lo no chão a não ser quando chegamos ao porto seguro da nossa casa. sim, os psicólogos têm razão, é uma merda de vida, mas escusavam era de o dizerem com esse tom censório, como se fosse fácil mudar isto, fazemos o quê?, deixamos de trabalhar e passamos a comer arroz todos os dias?, obrigamos os avós - quando os há - a virem da província para tomarem conta dos netos?, gastamos o pouco que nos sobra - quando sobra - do ordenado e contratamos uma empregada?, apostamos tudo no casino a ver se nos tornamos milionários? parte-se-me o coração e a única coisa que posso fazer é dar-lhe beijinhos e dizer muitas vezes a mãe está aqui, a mãe está aqui)
(parte-se-me o coração todos os dias quando, depois de ter saído a correr do meu emprego com a sensação de que sou olhada de lado por toda a gente e de ter discutido com o taxista para ele ir um bocadinho mais depressa, entro na escola do meu pequenino, olhando para o relógio a ver se ainda não são sete horas, e ele vem a correr para mim com um beicinho de todo o tamanho e as lágrimas gordas a correrem pela cara, agarra-se a mim com força e não há quem consiga voltar a pô-lo no chão a não ser quando chegamos ao porto seguro da nossa casa. sim, os psicólogos têm razão, é uma merda de vida, mas escusavam era de o dizerem com esse tom censório, como se fosse fácil mudar isto, fazemos o quê?, deixamos de trabalhar e passamos a comer arroz todos os dias?, obrigamos os avós - quando os há - a virem da província para tomarem conta dos netos?, gastamos o pouco que nos sobra - quando sobra - do ordenado e contratamos uma empregada?, apostamos tudo no casino a ver se nos tornamos milionários? parte-se-me o coração e a única coisa que posso fazer é dar-lhe beijinhos e dizer muitas vezes a mãe está aqui, a mãe está aqui)
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