A Gata
Então e se lhe chamasses A Gata Christie?
Olhei para aquele montinho de pêlo cinzento enroscado a um canto do sofá e achei piada ao nome. Eu nunca tinha gostado muito de gatos. Mas no início de 1998, depois de seis anos a morar num quarto em casa da dona Idalina, pensei que já era altura de me mudar para uma casa que não cheirasse a cobertores amarfanhados em naftalina e onde pudesse entrar, a qualquer hora, sem ter de encarar o olhar reprovador que me esperava no sofá. A P. trabalhava a poucos metros da minha secretária mas eu quase nunca falara com ela. Não me lembro quem foi que me disse que ela também estava à procura de casa mas sei que depois de uma pequena conversa decidimos ali mesmo que iríamos morar juntas. Encontrámos um apartamento num sexto andar em Benfica, paredes-de-meias com uma grande amiga. Os dois quartos, o corredor e a sala estavam forrados com uma alcatifa vermelho escuro, a televisão era a preto e branco e o papel de parede deprimente mas a mim pareceu-me um palácio. A P. também deve ter achado que era um palácio porque não descansou enquanto não arranjou um gato para lá morar, era mesmo o que nos faltava, dizia, um gatinho lindo, para que isto seja uma casa a sério.
Afinal era um gata. Uma gatinha recém-nascida com cara de Sissi. Não, de Marota. Não, de Felpuda. Foi o E., um amigo cinéfilo e de humor sofisticado, que disse:
Então e se lhe chamasses A Gata Christie?
Olhei para aquele montinho de pêlo cinzento enroscado a um canto do sofá e achei piada ao nome. Foi assim que A Gata Christie se tornou uma de nós.
Infelizmente o nome não era nada prático. Oh Gata Christie não arranhes a cadeira, oh Gata Christie sai de dentro da cama, oh Gata Christie não se faz chichi no chão. A vida não está para nomes tão compridos. Gata, simplesmente Gata, assim ficaria conhecido o animal que quase destruiu o palácio de Benfica e deixou marcas irreparáveis na nossa pele. Eu nunca tinha gostado muito de gatos e não estava propriamente a adorar a experiência mas quando a P. apareceu, um dia, carregando no colo um gatinho castanho tão escanzelado quanto pulguento, não lhe consegui dizer que não. O bicho tinha sido abandonado com poucos dias de vida, ainda nem sequer conseguia beber leite de um prato e tremia que nem varas verdes. À noite, os seus miados lancinantes ecoavam pelo prédio e faziam-nos acordar de mau humor. Por essa altura, decidimos arrancar a alcatifa das três assoalhadas, comprar uma embalagem gigante de Whiskas e reforçar o estoque de areia empacotada. Nas famílias, mesmo as mais pobres e desesperadas, há sempre lugar para mais um.
A Gata e o Bicho tornaram-se rapidamente amigos inseparáveis. Tão inseparáveis que, apesar de todos os nossos cuidados, a Gata engravidou duas vezes e teve uma dúzia de gatinhos cinzentos e castanhos que saltitavam pela casa como Gremlins e se enfiavam nas gavetas, por trás dos livros, dentro dos sapatos. Tivemos que impingi-los a amigos e conhecidos a quem assegurávamos, de sorriso nos lábios, que estes irrequietos animais de vinte centímetros eram, afinal, uns santos, capazes de nos enternecer mesmo quando chegamos a casa mortos de cansaço a suspirar por um banho de espuma e um chocolate quente.
Eu nunca gostei muito de gatos mas quando, ao fim de dois anos, a casa começou a tornar-se de facto pequena para tanta gente – entre humanos e felinos éramos já seis nas três assoalhadas -, confesso que comecei a matutar no que iríamos fazer com a nossa prole. A P. saiu primeiro e levou o Bicho. Eu mudei-me pouco depois com a nossa Gata. Foi um choque para ambos. Ele entrou em depressão, tornou-se insociável, escondia-se atrás da máquina de lavar roupa e não deixava ninguém tocar-lhe. Ela tinha ataques de loucura em que corria pelo apartamento, ainda mais pequeno do que o anterior, deitando por terra tudo o que lhe aparecesse à frente. Foi assim até ao tempo em que as barrigas cresceram e de repente era preciso arranjar espaço para outras crias nas nossas vidas.
A Gata e o Bicho voltaram a encontrar-se numa quinta em Santarém. Parece que sofreram um pouco a adaptar-se ao campo, a andar com as patas na terra, a comer formigas e a fugir de outros gatos, cães e demais animais que eles, até então, desconheciam. Parece que de vez em quando desapareciam por uns dias e regressavam a coxear, com feridas lambidas e olhar mortiço. Parece que voltaram a ter mais gatinhos cinzentos e castanhos. E que depois acasalaram com os seus próprios filhos num daqueles comportamentos selvagens que nos faz duvidar da beleza da natureza.
Nunca gostei muito de gatos mas, não sei porquê, no momento de dar um nome a este blogue lembrei-me da minha Gata. A Gata Christie.
Olhei para aquele montinho de pêlo cinzento enroscado a um canto do sofá e achei piada ao nome. Eu nunca tinha gostado muito de gatos. Mas no início de 1998, depois de seis anos a morar num quarto em casa da dona Idalina, pensei que já era altura de me mudar para uma casa que não cheirasse a cobertores amarfanhados em naftalina e onde pudesse entrar, a qualquer hora, sem ter de encarar o olhar reprovador que me esperava no sofá. A P. trabalhava a poucos metros da minha secretária mas eu quase nunca falara com ela. Não me lembro quem foi que me disse que ela também estava à procura de casa mas sei que depois de uma pequena conversa decidimos ali mesmo que iríamos morar juntas. Encontrámos um apartamento num sexto andar em Benfica, paredes-de-meias com uma grande amiga. Os dois quartos, o corredor e a sala estavam forrados com uma alcatifa vermelho escuro, a televisão era a preto e branco e o papel de parede deprimente mas a mim pareceu-me um palácio. A P. também deve ter achado que era um palácio porque não descansou enquanto não arranjou um gato para lá morar, era mesmo o que nos faltava, dizia, um gatinho lindo, para que isto seja uma casa a sério.
Afinal era um gata. Uma gatinha recém-nascida com cara de Sissi. Não, de Marota. Não, de Felpuda. Foi o E., um amigo cinéfilo e de humor sofisticado, que disse:
Então e se lhe chamasses A Gata Christie?
Olhei para aquele montinho de pêlo cinzento enroscado a um canto do sofá e achei piada ao nome. Foi assim que A Gata Christie se tornou uma de nós.
Infelizmente o nome não era nada prático. Oh Gata Christie não arranhes a cadeira, oh Gata Christie sai de dentro da cama, oh Gata Christie não se faz chichi no chão. A vida não está para nomes tão compridos. Gata, simplesmente Gata, assim ficaria conhecido o animal que quase destruiu o palácio de Benfica e deixou marcas irreparáveis na nossa pele. Eu nunca tinha gostado muito de gatos e não estava propriamente a adorar a experiência mas quando a P. apareceu, um dia, carregando no colo um gatinho castanho tão escanzelado quanto pulguento, não lhe consegui dizer que não. O bicho tinha sido abandonado com poucos dias de vida, ainda nem sequer conseguia beber leite de um prato e tremia que nem varas verdes. À noite, os seus miados lancinantes ecoavam pelo prédio e faziam-nos acordar de mau humor. Por essa altura, decidimos arrancar a alcatifa das três assoalhadas, comprar uma embalagem gigante de Whiskas e reforçar o estoque de areia empacotada. Nas famílias, mesmo as mais pobres e desesperadas, há sempre lugar para mais um.
A Gata e o Bicho tornaram-se rapidamente amigos inseparáveis. Tão inseparáveis que, apesar de todos os nossos cuidados, a Gata engravidou duas vezes e teve uma dúzia de gatinhos cinzentos e castanhos que saltitavam pela casa como Gremlins e se enfiavam nas gavetas, por trás dos livros, dentro dos sapatos. Tivemos que impingi-los a amigos e conhecidos a quem assegurávamos, de sorriso nos lábios, que estes irrequietos animais de vinte centímetros eram, afinal, uns santos, capazes de nos enternecer mesmo quando chegamos a casa mortos de cansaço a suspirar por um banho de espuma e um chocolate quente.
Eu nunca gostei muito de gatos mas quando, ao fim de dois anos, a casa começou a tornar-se de facto pequena para tanta gente – entre humanos e felinos éramos já seis nas três assoalhadas -, confesso que comecei a matutar no que iríamos fazer com a nossa prole. A P. saiu primeiro e levou o Bicho. Eu mudei-me pouco depois com a nossa Gata. Foi um choque para ambos. Ele entrou em depressão, tornou-se insociável, escondia-se atrás da máquina de lavar roupa e não deixava ninguém tocar-lhe. Ela tinha ataques de loucura em que corria pelo apartamento, ainda mais pequeno do que o anterior, deitando por terra tudo o que lhe aparecesse à frente. Foi assim até ao tempo em que as barrigas cresceram e de repente era preciso arranjar espaço para outras crias nas nossas vidas.
A Gata e o Bicho voltaram a encontrar-se numa quinta em Santarém. Parece que sofreram um pouco a adaptar-se ao campo, a andar com as patas na terra, a comer formigas e a fugir de outros gatos, cães e demais animais que eles, até então, desconheciam. Parece que de vez em quando desapareciam por uns dias e regressavam a coxear, com feridas lambidas e olhar mortiço. Parece que voltaram a ter mais gatinhos cinzentos e castanhos. E que depois acasalaram com os seus próprios filhos num daqueles comportamentos selvagens que nos faz duvidar da beleza da natureza.
Nunca gostei muito de gatos mas, não sei porquê, no momento de dar um nome a este blogue lembrei-me da minha Gata. A Gata Christie.
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