Tuesday, February 01, 2011

Carlos Castro, a minha versão (tão boa como qualquer outra)

1.Não era particularmente fã de Carlos Castro. Não simpatizo com o chamado jornalismo social, não suporto o jornalismo (jornalismo?) que se baseia em fofocas e mexeriquices, diz-que-diz, fotos tiradas à socapa, quem anda com quem. Não me interessa o mundo dos famosos e do jet-set, não me interessava o que Carlos Castro achava de fulano e beltrana. Falei com ele uma única vez, uma conversa longa a propósito do seu livro, em que confirmei aquilo que já achava ao ler ocasionalmente as crónicas do jornal. Pareceu-me uma pessoa culta e educada mas muito metido naquele mundinho no qual se sentia importante e poderoso.

2. A carreira de Renato precisava de um empurrão. Carlos Castro achava-o giro. Não interessa quem pediu amizade a outro, interessa que ficaram amigos. Que se encontravam. Que trocavam mensagem com beijinhos e saudades. Renato queria aproveitar-se da posição e dos conhecimentos (e provavelmente também dos presentes e das viagens e do dinheiro) de Carlos Castro. Carlos Castro queria aproveitar-se do corpo e da companhia de Renato. Era um negócio bom para as duas partes. Eram dois adultos a ter uma relação. Se Renato fosse uma rapariga, chamavam-lhe alpinista social ou prostituta, falariam em golpe do baú, diriam que ela tirava vantagem do velhote babado, coitado. Tratando-se de um rapaz, está visto que era um inocente miúdo que foi seduzido e conquistado (ainda outro dia vi isto na primeira página de um jornal) por um velho pervertido. Um "predador sexual", segundo o director de O Sol. Pergunto-me se dirá o mesmo de Pinto da Costa, homem de mais 70 anos que namora com uma rapariga de 23 anos. Oh mentalidadezinha.

3. Talvez Renato fosse heterossexual. Talvez tivesse pensado que as coisas nunca chegariam a vias de facto, que conseguiria ficar-se pela sedução. Iria aproveitar enquanto desse. Talvez não tenha conseguido controlar a situação como queria e se tenha sentido cada vez mais pressionado pelos avanços de Carlos Castro. Bastar-lhe-ia terminar a relação, digo eu. Deixava de mandar mensagens, desligava o telefone,ia lá para Cantanhede em vez de ir a Nova Iorque, com certeza não foi obrigado, não? Mas talvez tenha querido mais e tivesse também que dar mais em troca. Talvez tenha acabado por se sentir mal consigo próprio, porque, sendo heterossexual estaria em fingimento, era a verdadeira prostituta, portanto.

4. Talvez Renato fosse homossexual. Nunca assumira, talvez nem tivesse ainda assumido perante si mesmo. Talvez tenha descoberto apenas com Carlos Castro, sabe-se lá. E traz consigo aquela bagagem toda da educação, da religião, do homem que é homem não chora, das piadas dos gajos, da homofobia toda, do não querer desiludir a mãe. Talvez tenha acabado por se sentir mal consigo próprio, queria que a sua homossexualidade desaparecesse sem deixar testemunhas, como se nunca tivesse existido e pudesse voltar a ser "normal".

5.Isto, claro, sou eu armada em psicóloga barata. Fosse como fosse, alguma coisa fez curto-circuito naquela cabeça. Embora agora se diga inocente, Renato já confessou que matou Carlos Castro de uma forma bastante violenta. Não foi uma discussão e ah e tal deu-lhe um empurrão com força e ele bateu com a cabeça. Não foi uma discussão e num impulso de raiva toma lá um tiro. Não. Foram horas de murros, um saca-rolhas, mutilações, um ódio (ao outro?, a si mesmo?) que veio lá de dentro. Depois tomou banho e saiu. Renato Seabra é (alegadamente) um assassino. A mãe pode dizer que ele estava infeliz e que lhe telefonou a dizer que o outro o estava a tentar seduzir com prendas luxuriantes (a mãe pode dizer tudo porque é mãe e as mães defendem os seus meninos sempre), os amigos podem dizer que Renato era como eles e gostava muito de miúdas (heterossexual como nós, dizem em todas as entrevistas, não vão as pessoas pensar coisas), a família pode dizer que ele era um anjo de pessoa, muito calmo e calado. Sim, sim, sim, pode até ser, mas alguma coisa se passou naquela cabeça e o Renato transformou-se (alegadamente) num assassino.

6. Parece que houve uma manifestação de apoio ao alegado assassino. Coisa nunca antes vista. Mãos dadas à volta de uma igreja, imagine-se. O rapaz, o miúdo (21 anos, 1,86 metros de altura, musculado, um curso superior quase terminado, com discernimento suficiente para ter concorrido a um reality show porque queria ser modelo, mas ainda assim praticamente uma criança?) foi certamente seduzido, quem sabe até drogado, alguma coisa que o outro lhe punha na comida (já alguém disse isto). Volto ao início. Se fosse uma mulher era uma oportunista, como é um homem é uma vítima. Os advogados hão de com certeza aproveitar alguma desta narrativa para organizar a defesa, mas os advogados também podem dizer o que quiserem, são pagos para isso. E nós podemos todos continuar a discutir se Renato é homo ou hetero e cada um dá a sua opinião, e eu dou a minha, e a imaginar como seria a relação daqueles dois. Mas nada disso interessa realmente e nada disso muda o facto de Carlos Castro estar morto e de Renato ser (alegadamente) um assassino.

7. A justiça que faça a sua parte, então.

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11 Comments:

Blogger Isabel I said...

Muito boa a análise e o raciocínio. Tudo nisto é sinistro sexista e homofóbico, se fosse mulher era prostituta como é homem e jovem e bonito, coitadinho " foi seduzido". Enfim, um vómito do princípio ao fim. Escreveu exactamente aquilo que eu penso do assunto.

10:51 AM  
Blogger Analog Girl said...

Sem tirar nem por. Praticamente conseguiste por por palavras aquilo em que tenho pensado este tempo todo.
Excepto a parte da diferença homem/mulher. Não tinha pensado em quanto as mulheres são as "oportunistas" e as "prostitutas" e eles acabam por ser os rapazinhos indefesos que foram aliciados.
Que os homens se desenvolvem mais tarde que as mulheres não é grande novidade, mas isto já roça o insulto.
Gostei muito deste post. Fizeste-me pensar (ainda mais) no impacto deste caso...

11:52 AM  
Blogger Turista said...

Gata, estou plenamente de acordo contigo. Fizeste uma análise do caso, perfeita, lúcida.
Bem hajas, por este texto.

1:19 PM  
Blogger 1gota said...

É que: nem mais!
Nada retira que um homem foi morto e outro o matou (com intenção, não dá para ser um acto impensado).
O 7 remata bem! Que se faça justiça, então.

3:17 PM  
Blogger Dulce said...

Eu não diria melhor. Não diria nem disse.

6:23 PM  
Anonymous df said...

Muito bem! Analise perfeita! Só uma nota: e se o Carlos Castro fosse uma dondoca a caçar meninos? Remate a 7! df

8:59 PM  
Blogger Rita Quintela said...

isto mesmo

8:39 AM  
Blogger Pacha said...

No meu blog também expressei a minha opinião. Mas adorei a tua análise sobre o assunto e não poderia estar mais de acordo. Sinceramente foste bastante concisa.

Beijinhos

10:26 AM  
Anonymous Anonymous said...

Plenamente de acordo em quase tudo. No entanto, a mim parece-me o ínicio de uma esquizofrenia. Tenho dois irmãos que sofrem desta doença e acredite que começa de um minuto para o outro. Se é este o caso, este miúdo tem já uma sentença para o resto da vida. Ele e a familia. è muito, muito duro.

Ana B.

10:52 AM  
Anonymous scas said...

Atenção que me parece q o rapazola não se declarou inocente (innocent), até porque já confessara. Ele (o advogado dele) ter-se-á declarado, isso sim, «not guilty». O que no sistema jurídico-judicial americano faz toda a diferença. Cá é que deviam explicar isso às pessoas ou arranjar melhor tradução...

11:02 AM  
Anonymous Anonymous said...

Bom texto, não diria diferente :) T.

3:25 PM  

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