Caçula
Eu sou a mana mais nova. Temos apenas dois anos de diferença, dois anos não é nada, sempre brincámos juntas com as bonecas e com as casinhas, sem grandes discussões, sem puxar os cabelos, sem amuos nem queixinhas.
Só na adolescência esses dois anos pareceram um pouco mais - ou talvez não fossem os anos mas os caminhos que seguimos que foram diferentes. Ela sempre mais senhora, mais betinha, de brincos e maquilhagem, de sabrinas ou botas de pele mandadas fazer à medida, malinha a tiracolo, saia com meia de vidro. Eu com o casaco de camurça que era do meu pai, invariavelmente de calças, mais prática, mais miúda, mais despenteada, mais aérea. Ela já a pensar que ia ser professora, eu a alimentar o sonho romântico de ser jornalista, correr o mundo, ir para a guerra, para locais exóticos (era esse o sonho). Só na adolescência ficou cada uma no seu canto, cada uma com as suas amigas porque nesta idade irmã não serve para contar segredos nem para partilhar paixões, tu vais com as tuas amigas e eu com a minhas, nada de confusões.
Até que nos reencontrámos num quarto alugado perto da praça do chile. As duas quase da mesma idade, juntas na cidade grande. Foi ela que me ensinou a andar de metro, que me explicou as carreiras dos autocarros, mostrou-me os caminhos e, com aquele seu jeito maternal de que eu tanto gosto, passou a cuidar de mim como as manas mais velhas cuidam das manas mais novas. E foi assim que passámos noites e dias juntas, agarradas às fotocópias, a disfarçar a angústia dos exames, a fazer o jantar na cozinha da dona idalina, a comer flocos com banana partida às rodelas, a deitar conversa fora. A sermos amigas. A chorarmos no ombro uma da outra. A rirmos também. A confessarmos os desgostos de amor e as primeiras vezes. As duas nervosas à espera das riscas do teste de gravidez. Ela ao meu lado na primeira consulta de ginecologia. Cumplicidades para uma vida. Somos inseparáveis desde então. Somos mesmo. Somos uma para outra de maneiras diferentes porque é assim que é, eu sou mais intempestiva, ela mais ponderada, eu sou a mais nova e ela a mais velha (são só dois anos, quase não se nota mas, pensando bem, nota-se tanto), nem sempre concordamos, às vezes até discutimos, mas isso também faz parte porque o que interessa é que quando uma precisa a outra está lá para o que der e vier. E, não sei porquê, parece que eu preciso mais vezes. Nem tenho que pedir. Ela está sempre pronta para me dar a mão. Para me fazer um bolo. Para tomar conta do miúdo. Para deixar a sua família e vir passar uns dias comigo, porque sabe que isto a seguir ao parto é difícil e ela não gosta de me ouvir a chorar ao telefone e vem cá nem que seja só para passar a roupa a ferro e obrigar-me a comer sopa e prato e fruta, nem que seja só para estar ao meu lado e para me dar um pouco do seu tempo. Porque é isto que as manas fazem, disse ela.
É por isso que, ela não sabe, mas a culpa é da minha irmã mais velha que me mostrou que toda a gente merece conhecer um amor assim. Talvez isso nos custe umas noites em branco, talvez andemos demasiado cansados, talvez não seja fácil, talvez tenhamos que apertar o cinto, talvez não possamos comprar todos os brinquedos que eles gostariam, talvez um dia destes, mais cedo do que gostaríamos, estejam na escola pública, talvez tenhamos que resolver algumas discussões. E daí? Tenho a certeza que os dois serão sempre mais ricos do que um só. Obrigado, maninha.
Só na adolescência esses dois anos pareceram um pouco mais - ou talvez não fossem os anos mas os caminhos que seguimos que foram diferentes. Ela sempre mais senhora, mais betinha, de brincos e maquilhagem, de sabrinas ou botas de pele mandadas fazer à medida, malinha a tiracolo, saia com meia de vidro. Eu com o casaco de camurça que era do meu pai, invariavelmente de calças, mais prática, mais miúda, mais despenteada, mais aérea. Ela já a pensar que ia ser professora, eu a alimentar o sonho romântico de ser jornalista, correr o mundo, ir para a guerra, para locais exóticos (era esse o sonho). Só na adolescência ficou cada uma no seu canto, cada uma com as suas amigas porque nesta idade irmã não serve para contar segredos nem para partilhar paixões, tu vais com as tuas amigas e eu com a minhas, nada de confusões.
Até que nos reencontrámos num quarto alugado perto da praça do chile. As duas quase da mesma idade, juntas na cidade grande. Foi ela que me ensinou a andar de metro, que me explicou as carreiras dos autocarros, mostrou-me os caminhos e, com aquele seu jeito maternal de que eu tanto gosto, passou a cuidar de mim como as manas mais velhas cuidam das manas mais novas. E foi assim que passámos noites e dias juntas, agarradas às fotocópias, a disfarçar a angústia dos exames, a fazer o jantar na cozinha da dona idalina, a comer flocos com banana partida às rodelas, a deitar conversa fora. A sermos amigas. A chorarmos no ombro uma da outra. A rirmos também. A confessarmos os desgostos de amor e as primeiras vezes. As duas nervosas à espera das riscas do teste de gravidez. Ela ao meu lado na primeira consulta de ginecologia. Cumplicidades para uma vida. Somos inseparáveis desde então. Somos mesmo. Somos uma para outra de maneiras diferentes porque é assim que é, eu sou mais intempestiva, ela mais ponderada, eu sou a mais nova e ela a mais velha (são só dois anos, quase não se nota mas, pensando bem, nota-se tanto), nem sempre concordamos, às vezes até discutimos, mas isso também faz parte porque o que interessa é que quando uma precisa a outra está lá para o que der e vier. E, não sei porquê, parece que eu preciso mais vezes. Nem tenho que pedir. Ela está sempre pronta para me dar a mão. Para me fazer um bolo. Para tomar conta do miúdo. Para deixar a sua família e vir passar uns dias comigo, porque sabe que isto a seguir ao parto é difícil e ela não gosta de me ouvir a chorar ao telefone e vem cá nem que seja só para passar a roupa a ferro e obrigar-me a comer sopa e prato e fruta, nem que seja só para estar ao meu lado e para me dar um pouco do seu tempo. Porque é isto que as manas fazem, disse ela.
É por isso que, ela não sabe, mas a culpa é da minha irmã mais velha que me mostrou que toda a gente merece conhecer um amor assim. Talvez isso nos custe umas noites em branco, talvez andemos demasiado cansados, talvez não seja fácil, talvez tenhamos que apertar o cinto, talvez não possamos comprar todos os brinquedos que eles gostariam, talvez um dia destes, mais cedo do que gostaríamos, estejam na escola pública, talvez tenhamos que resolver algumas discussões. E daí? Tenho a certeza que os dois serão sempre mais ricos do que um só. Obrigado, maninha.
6 Comments:
Que bonito. Quem me dera ter uma irmã. É um amor que não tem preço!!
Parabéns às duas
magnífico post, vou ter que linkar :)
Este post diz exactamente o que eu penso sobre a amizade fraternal. Pena que a minha irmã não pense assim. Beijinho grande para as duas e parabéns! Muitos parabéns!!!
De nada, maninha.
Olá,
Leio o teu blogue de vez em quando e gostei muito deste post, pricipalemnte porque tenho duas irmãs e me revejo muito no que disseste. E por gostar dele, quis fazer um link do meu blogue para aqui, mas acabei por linkar aqui o meu blogue. Agora que descobri que isto estava feito sinto-me um pouco parasita. Não era essa a minha intenção, por isso podes apagar (eu não sei como se faz).
bjs
Concordo inteiramente...
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